Toda a ação, gera uma reação. Enquanto a MPB tradicional segue em estado de catatonia, sempre à espera de um novo gênio que revigore o gênero, a música verdadeiramente popular passou por um processo de modernização sem precedentes nos últimos anos. As razões são diversas, desde o barateamento do equipamento de gravação, até as facilidades de distribuição e difusão proporcionada pela Internet e as redes sociais.
Em Belém do Pará, Edilson Moreno & Marcos Maderito, cantor da Gang do Eletro, representam bem o amigável convívio entre duas gerações.
Desde o tecnobrega da Região Norte, até o vanerão do Rio Grande do Sul, abrangendo tudo o que se encontra no caminho entre esses dois polos, todos os gêneros foram profundamente renovados. Forró, brega, axé, swingueira, arrocha, funk, lambadão, sertanejo, pagode, todos os gêneros deram passos gigantescos para se modernizarem e se assumirem como a nova música pop brasileira. Essa foi a ação. A reação está se dando numa volta ao passado, um sentimento de nostalgia que faz com que o público de volte para os sucessos de passado. A onda dos revivals chega com tudo entre os gêneros populares.
No Norte a onda agora é o tal do FlashBrega e a profusão de coletâneas intituladas Melodys Marcantes, lembrando sempre que por lá o tecnobrega é chamado tecnomelody. O curioso é que os detratores, quando o ritmo estourou, falavam que eram músicas extremamente descartáveis, que nunca fariam parte de um passado, que seriam varridas para o latão de lixo da história. Mais uma vez está comprovado que os pessimistas são péssimos profetas.
Já no nordeste, a onda retrô consolidou-se no Movimento Forró das Antigas. Capitaneado pela trinca Mastruz com Leite, Limão com Mel e Magníficos, o movimento reúne as três bandas (às vezes com outras mais) em um único show e tem obtido lotação máxima por onde quer que se apresente. Trata-se de uma reação ao "forró elétrico" que se disseminou depois do sucesso dos Aviões do Forró, onde as letras românticas não são prioridade. O próprio retorno ao sucesso de Toca do Vale é um reflexo dessa tendência de reviver o passado.
Toca do Vale voltou às paradas de sucesso com a regravação de "Carangueijo", do cantor Latino.
Dois estados do Nordeste representam polos criativos importantes: Pernambuco e Bahia. Em Pernambuco o caldeirão criativo está fervendo. De um lado a invasão dos MCs com sua mistura de brega com funk, swingueira e calypso: Sheldon & Boco, Metal & Cego, Afala & Case, dentre outros. De outro, a geração que cresceu escutando Banda Calypso (que verdade seja dita, apesar de ser paraense, foi em Pernambuco que estourou) e que agora montou suas próprias bandas e criou uma das cenas mais produtivas do país: Banda Kitara, Banda Metade, Musa do Calypso, Pank Brega, Boa Toda, mais dezenas de bandas. O MCs apontam para o futuro, as bandas bregas reciclam o passado. O legal de Pernambuco é que todas essas tendências vivem em harmonia, apresentam-se juntos e a concorrência é sadia. E de cereja do bolo, ainda temos o sambista mais inovador do Brasil na atualidade, João do Morro.
A Bahia por outro lado vive um impasse. A privatização do carnaval estruturado nas micaretas, agravado pelo surgimento de um monopólio, secou vivacidade do axé. Este ano nem Ivete Sangalo e Cláudia Leitte conseguiram emplacar um sucesso incontestável. Não fosse a Oito7nove4 com "Se não puder voar", o carnaval teria passado batido sem nenhum hit arrasa-quarteira.
A Swingueira (ou pagode baiano ou ainda, quebradeira, não existe um rótulo único) poderia e teria condições de substituir o axé como carro-chefe da música local, mas as elites ainda não vêem o ritmo com bons olhos e com raras exceções, como Harmonia do Samba por exemplo, ainda ficam em segundo plano na mídia, apesar do imenso sucesso popular. Mas mesmo na Swingueira, depois dos trabalhos revolucionários do Psirico e do Edcity, já se nota a proliferação de "coletâneas de relíquias" do passado nas redes sociais.
Capa do novo disco "Isso é que é favela" do cantor de Swingueira Edcity. É sua pegada moderna e revolucionária que puxa o contra-ponto saudosista das "coletâneas de relíquias"
O arrocha é um fenômeno mais complexo. Multifacetado, caótico e completamente ignorado pela crítica cultural, usa essa liberdade não vigiada para atirar em todas as direções e acertar quase todo mundo. Nota-se influência do arrocha na música sertaneja, no forró, na vanera gaúcha, no brega, no vanerão gaúcho e no tecnobrega. Não dá pra se dizer se existe onde nostálgica por que o arrocha nunca deixou de viver e reviver o passado.
No funk carioca temos dois cabeças de área na onda retrô: Mc Coringa e Mc Chocolate. A exemplo do arrocha, o funk é outro ritmo desprezado pela crítica e que apesar de disso, contamina outros ritmos. E também a exemplo do tecnobrega, todos diziam que no futuro o funk não teria um passado e que seria totalmente esquecido, pelo fato de ser descartável. Mais um erro do conservadorismo.
Depois de um 2011 de ressaca criativa, o pagode voltou para as paradas com os cariocas virando o jogo pra cima dos paulistas. Embora muito sutil, essa invasão carioca não deixa de representar uma releitura do passado, pois os cariocas nunca abandonaram por completo sua pegada fundo de quintal e partido alto. Bandas como Bom Gosto, Turma do Pagode e Pike Novo não recriaram o pagode a partir da sonoridade antiga, mas prosseguiram de onde os paulistas pararam. O fim das atividades do Exaltasamba e os primeiros discos solo de Thiaguinho e Péricles são a comprovação definitiva dessa tendência.
Péricles, depois do fim do Exaltasamba, estréia solo com um disco de pegada retrô.
No atualmente multimilionário segmento da música sertaneja a onda nostálgica vive ainda como uma latência, como uma oportunidade ainda não explorada. Artistas que poderiam explorar essa tendência, como Gusttavo Lima por exemplo, lançam single após single fazendo uso de fórmulas prontas unicamente para encher o bolso de seus empresários. No entanto, correndo por fora dos holofotes da mídia, nomes como João Carreiro & Capataz e Eduardo Costa, consolidam um público fiel e tem seus shows sempre lotado.
Finalmente chegamos ao insular Rio Grande do Sul, provavelmente o Estado mais isolado da federação. Apesar do Tchê Garotos ter emplacado uma música na novela Avenida Brasil da Rede Globo, são poucas as bandas que se sobressaem no resto do país. Também lá, muitos artistas tem voltado seu som para uma pegada mais tradicionalista, para poderem voltar a tocar nos CTGs (Centros de Tradição Gaúcho), que proíbem expressamente qualquer modernice.
Com tudo isso não estamos querendo dizer que o processo de modernização vai acabar e que uma grande volta ao passado irá ocorrer. Muito pelo contrário, esse sentimento nostálgico é a prova definitiva de que a modernização é definitiva. Os conservadores continuam esbrabejando que a música brasileira está perdendo sua essência e sua qualidade com isso, mas a história comprovou, com inumeráveis exemplos, que eles sempre estiveram errados.
Com o Brasil cada vez mais na moda no resto do mundo, não seria um delírio insano arriscar que o Brasil está grávido da nova música pop planetária. É só esperar pela Copa do Munda e pelas Olimpíadas para que o resto mundo saber que Michel Teló e "Ai se eu pego" é apenas uma lasquinha de gelo que se desprendeu da ponta de um iceberg gigantesco.