terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Pedro Alexandre Sanches (e outros!) e a mudança de paradigma da crítica musical brasileira

Nosso Cabaret caminha a passos largos para completar três anos de atividades. Durante esse período muita coisa aconteceu em termos de como a crítica cultural brasileira percebe sua música verdadeiramente popular. Naquele já longínquo primeiro semestre de 2009, estávamos praticamente sozinhos quando pedíamos um mínimo de respeito para a cultura musical popular. Gritávamos para paredes de concreto. Mas não desistimos e seguimos em frente, fazendo muitas amizades e umas poucas inimizades.


Agora uma nova tendência de mudança de paradigma parece nítida. Uma nova geração de blogueiros está metendo o pé no pau do barraco do circo dos preconceituosos e mudando a mentalidade da crítica cultural praticamente na marra. Essa turma merece um post exclusivo só para contar suas histórias, mas por alto posso citar vários nomes que estão fazendo a diferença na blogosfera. Temos o Comandante Alberto do Tecnomelody.com, Luana Alves com seu Quem gosta de Brega sou eu, o Marcus com intrépido Blognejo, Ivanzinho dando as últimas da Swingueira baiana, o cearense Jáder com o Forrozeiros, o Janio e seu antenadíssimo Forró em Sampa, os meninos do Seu Forró, PJ da Pagode FM. Fora as comunidades de downloads do Orkut: Super Pop Águia de Fogo, Rede Axé, Circulo de Forró, Acervo Arrocha, Adoro Meu Pagodão, Rede Forrozão, Tchê Download. A lista é enorme!

Só que o bacana é que a tal mudança de paradigma não se limita a essa nova geração, o pessoal da velha guarda está abrindo os olhos (e os ouvidos) para a riqueza da música que o povo brasileiro está fazendo. A lista de nomes também está crescendo: André Forastieri, Alex Antunes, Vladimir Cunha, Patrick Torquato, Camilo Rocha, Dafne Sampaio, Luis Antonio Giron, Pedro Alexandre Sanches... E é do Pedroca que vou reproduzir aqui um artigo que ele escreveu para o blog Ultrapop. É sobre a nova música sertaneja. A ficha ainda não caiu por inteiro, mas ele já está tendo alguns insights que o conduzirão "para a luz". Podem ter certeza disso!

O Brasil foi dos Sertanejos em 2011
Pedro Alexandre Sanches

Quem tem dois olhos e, principalmente, dois ouvidos já sacou, mas não custa comentar: os sertanejos levaram todas na música comercial brasileira em 2011. Paula Fernandes, Luan Santana, Michel Teló, Gusttavo Lima etc. etc. etc. são os artistas mais bem-sucedidos (e ricos) do Brasil atual. Gente da velha guarda também seguiu abiscoitando nacos de fama e falatório, nem que fosse por intermédio de brigas e sofrimentos, como foi o caso recente de Zezé di Camargo & Luciano.

Aí a filial brasileira da Sony Music acaba de lançar “Amor de Alma”, novo disco da dupla Victor & Leo, da, digamos, geração do meio do pop sertanejo (a geração mais nova está abolindo as duplas, é isso mesmo?). Dá o que pensar desde a capa, que é bonita, impressionante, inclusive por remeter a uma cena de faroeste norte-americano, ou coisa parecida, Victor e Leo de caubóis, em movimento, montados em garbosos cavalos “de raça”.


Este sempre foi um grito de guerra da chamada MPB, desde pelo menos o início dos anos 1960, quando Roberto Carlos ganhou o Brasil como ídolo do rock à brasileira, também chamado de jovem guarda: a música sertaneja dos anos 1980, assim como antes o iê-iê-iê de Roberto, Erasmo & cia., foi frequentemente combatida pela ideologia MPB como “americanização” da canção brasileira, cópia piorada do country & western (e/ou rock) norte-americano, música pop ligeira que não deveria ser levada a sério por quem se supusesse sério por aqui.

Confesso que não faz muito tempo que passei a tentar perder alguns dos meus preconceitos contra os sertanejos — a ponto de achar Luan Santana e Paula Fernandes bem simpáticos, patati patatá. Mas por grande parte da vida tive certeza, vinda não sei de onde, de que não gostava de música sertaneja, ou da caipira, mesmo tendo saído de Maringá, no interior do Paraná, estado natal de vários artistas caipiras e sertanejos, e mesmo morando em São Paulo, estado caipira até a raiz da careca, mesmo quando faz tudo para disfarçar essa origem.

A primeira música do disco de Victor & Leo me soou vibrante, sanfonada (quem tem ouvidos e olhos abertos também percebeu, certamente, que a sanfona é O instrumento em alta no Brasil atual, dos sertanejos em geral até o MPB-pop-roqueiro Marcelo Jeneci, passando por vários emepebistas, er, “puros”). Mais familiar — e bem divertida — me bateu a versão “sertanejo pop” para o hit MPB-pop-axé baiano “Sexy Yemanjá”, de Pepeu Gomes, em 1993 (e agora, de novo, pela reprise da novela “Mulheres de Areia”), ou mesmo a releitura do antológico sucesso sertanejo “Fuscão Preto”. Da maioria das faixas, sinceramente, não sei o que dizer.

Já sou bem marmanjo (tenho 43 anos), me formei como jornalista/crítico musical pela escola “Folha de S. Paulo”, de desprezo total e geral por tudo que o Brasil tem de mais popular, interiorano e não condizente com o cosmopolitismo Rio-São Paulo. Ainda estou aprendendo, me acostumando, encarando que preconceitos brutais sempre turvaram meus olhos (e ouvidos) e me impediram de qualquer apreciação ou avaliação mais, digamos, séria da música mais popular do Brasil. Em 2011, essa música é essencialmente sertaneja — como alguém pode se dizer jornalista musical simplesmente se recusando a encarar e compreender essa realidade?

Falando com quem tem preconceitos parecidos com os meus: malhar os sertanejos é algo que qualquer metido a crítico faz com o pé nas costas, mais fácil que roubar pirulito de criança em praça pública. Mais difícil é tentar se aproximar, pescar significados, deixar de lado o lengalenga estéril sobre “gosto disso” e “não gosto daquilo”, procurar entender as coisas que existem, simples assim. (Se você ama Luan, Gusttavo, Michel, Paula, Victor, Leo etc., este papo não deve fazer nenhum sentido, mas, ah, já que chegou até aqui…)

Ainda não tenho experiência nem cacife para me embrenhar nessas praias, mas tem uma coisa que eu percebo já há um bom tempo, desde a era George Bush nos Estados Unidos. Houve por lá uma revalorização de artistas veteranos do folk e da música country. Bob Dylan virou deus novamente, depois de anos de relativo ostracismo. Bruce Springsteen gravou disco em homenagem ao velho cantor folk de protesto Pete Seeger, que, por sinal, depois cantou com ele na festa de posse de Barack Obama. O velho Willie Nelson está vivo e chutando.

Simplificando horrores, o caubói Bush teve seus (muitos) pares na música pop local (lembra de Madonna vestida de cowgirl em 2000?). O “novo folk” vicejou, apareceram grupos aos montes, houve um interessantíssimo fenômeno de (re)aproximação entre folk e tradição celta, música cigana balcânica, rap e pop latino-americano etc. – Calexico, Bowerbirds, Beirut, Orishas, sei lá mais quem.

Não sei se a crítica norte-americana é feroz com seus próprios caipiras, mas certamente essa não é a tônica por lá. Springsteen, Dylan, Johnny Cash e outros muitos são respeitados, ou ao menos não são desprezados nem depreciados por seus conterrâneos. Os jovens indies neo-folk têm fileiras de entusiastas, inclusive aqui no Brasil.

Mesmo aqui o novo folk norte-americano vicejou, com gente como Vanguart (vindo do Mato Grosso, não por coincidência), Tiê, Thiago Pethit, Mallu Magalhães e outros. Não me consta que a MPB tenha se manifestado, mas o velho discurso de “estão querendo americanizar a música brasileira” caberia feito luva para esse pessoal, não caberia? Bem, acredito que a MPB não tenha dado um pio, até porque esse papo de “imperialismo ianque” tem cabimento praticamente nenhum nos dias atuais.

Esta é a descoberta que ainda fico beliscando, sem saber bem qual é sua dimensão: a capa do CD de Victor & Leo até evoca um filme western, mas, não, eles e seus pares NÃO estão querendo americanizar a MPB — se quisessem, cantariam Pepeu Gomes, Jeca Mineiro, Moacyr Franco, forró, vanerão etc.?

Não, ao contrário, esse pessoal, desde ao menos os anos 1980, vive mais é de abrasileirar a música caipira norte-americana. É bem mais como se o índio estivesse cativando e dominando o caubói do que o inverso, sabe como é? É movimento a acompanhar com atenção, principalmente se nos lembrarmos que há muito o “nosso” country-western começou a vicejar com topetes indígenas e nomes passarinheiros como Pena Branca, Xavantinho, Chitãozinho, Xororó…

E aí eu chego à minha conclusão, a respeito da soberania sertaneja do Brasil em anos recentes (até em rádio no Rio de Janeiro já ouvi sucessos sertanejos, o que me soou para lá de curioso): me perdoem Vanguart, Tiê, Pethit, Mallu, mas o verdadeiro “novo folk” à brasileira está nas mãos (e gargantas) de Luan Santana, Paula Fernandes, Victor & Leo etc. etc. etc.

Depois de décadas de praia, de Beach Boys a Lulu Santos, a América olha cada vez mais (e aprecia cada vez mais) seus matões, florestas e fazendas, seus interiores, sua caipirice por vezes urbaníssima. Do forró nordestino ao vanerão gaúcho, passando pelo lambadão matogrossense e pelo sertanejo metropolitano paulista, o Brasil está nessa, mais interessado na Globo do velho “Som Brasil” que na do novo (novo?) “Malhação”.

O fenômeno pode ser conflituoso e contraditório, mas tem muita pinta de uma saída coletiva do armário. Afinal, quem aqui não é “caipira”, seja no sentido Bush ou no sentido Cascatinha & Inhana?

2 comentários:

Este comentário foi removido pelo autor.

Olá Timpin! Tb tenho interesse nessa questão da mudança dos paradigmas da crítica de música. Na verdade, um interesse em combater um elitismo cultural sem fundamento nem necessidade (pq qnd tem necessidade, será q não vale o elitismo, qnd ele significa uma crítica em prol da melhora? - algo a se pensar). O Sanches mesmo andou fazendo uns comentários positivos sobre o funk carioca, nessa palestra q vale a pena ser assistida (http://www.cpflcultura.com.br/site/2011/05/01/musica-amor-erotismo-em-tempos-de-hiperconectividade-%E2%80%93-pedro-alexandre-sanches-fernando-chui-e-hamer-palhares-2/). Enfim, acho q parte da elitizada tem se tocado d q o mundo é bem maior do q seu pequeno umbigo "indie" ou "cult" ou seja lá o q for.

Da universidade tb tem saido material interessante q nada contra essa maré predominante d elitismo da crítica. além do Eu não sou cachorro não (Paulo César Araújo) e do já clássico Mundo Funk Carioca (Hermano Vianna) outros trabalhos mais recentes dificultam um pouco mais as coisas para aquela parte da elite letrada q quer confundir seu gosto com o gosto (o "gosto legítimo"): Trabalhos sobre o é o tchan (http://books.google.com.br/books?id=-c3sJfj-dWAC&pg=PA13&lpg=PA13&dq=M%C3%B4nica+Leme+Que+tchan+%C3%A9+esse&source=bl&ots=fHoTFQMRqX&sig=X016CYVgav-ue9KicJbgkEgGM0o&hl=pt-BR&ei=gCzoTqPFAdLptgeY3aifCg&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=5&ved=0CD8Q6AEwBA#v=onepage&q=M%C3%B4nica%20Leme%20Que%20tchan%20%C3%A9%20esse&f=false, sobre o pagode romântico do sudeste (http://oglobo.globo.com/cultura/livro-defende-que-sucesso-dos-pagodeiros-romanticos-ajudou-revitalizar-samba-tradicional-2699103) e tem muito mais. muitas teses de doutorado, dissertações de mestrado, trabalhos de conclusão de graduação, artigos para eventos acadêmicos. tudo isso vai criando uma pressão contra esse elitismo q, na universidade, é claro, ainda é bem forte. E a pressão vem simplesmente do fato d "vozes oficiais" falarem sobre esses gêneros populares. já quebra a barreira d silêncio q parte da elite intelectual quer manter.

Há muitos documentários tb, como o Brega S/A, q vc citou uma vez, o Sou Feia mas tô na moda (Denise Garcia)... Enfim, uma galera d coisas aponta modificações sim. até pq muitos dos artistas populares dos anos 2000 são independentes. então fica difícil pra elitizada dizer q tudo não passa de "uma imposição da indústria cultural" (qnd, muitas vezes, isso é dito apenas como fachada para a frase verdadeira: "a música q minha empregada ouve não é tão boa qnt a minha" - e a verdade por trás disso - "pq ela não é tão boa qnt eu").

Q venham as modificações na crítica musical sim! mas, por outro lado, q tb todo mundo s sinta livre pra criticar o q enxergar (ou ouvir, tanto faz) d problemático na música em geral e, tb, na música popular, pois o popular tb pode carregar em si muitos problemas (sobretudo, qnd está seguindo apenas o mercado). abçs!

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