quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O dia em que Nietzsche foi no Super Pop

Sem a menor sombra de dúvida, se de posse de uma máquina do tempo pudéssemos trazer para a atualidade o filósofo alemão Friedrich Nietzsche e o levássemos para uma noitada na Super Pop, ele piraria o cabeção e chacoalharia o bigodão ao som de Elisson e Juninho. Antes que o leitor questione o prazo de validade da maionese do X-Salada que comi pela manhã ou antecipe o destino de embrulho de peixe deste jorna, peço apenas alguns parágrafos de sua atenção.



Em seu primeiro livro, O Nascimento da Tragédia, Nietzsche faz uma exaltação à cultura pré-socrática. Segundo ele, depois de sócrates a humanidade entrou em um ciclo de decadência cultural que perdura até os dias de hoje. A argumentação do bigodudo era mais ou menos assim.

Durante as celebrações rituais das tragédias, os gregos cultuavam dois deuses opostos e complementares. Apolo, o deus das formas ideiais, da ordem e do mundo perfeitos dos sonhos e Dioniso, o deus da fertilidade, da orgia e da sensualidade. Em um resumo grosseiro, Apolo seria o deus das expressões mentais enquanto Dioniso se encarregaria das expressões corporais. A tragédia grega unia estas duas figuras opostas, fazendo daquela cultura a mais perfeita da história da civilização. Dionisíaca e apolínia, a civilização mais bem resolvida consigo mesma, por assim dizer.

Com a filosofia de Sócrates esse par perfeito de desfez e o apolínio passou a sobrepujar o dionisíaco. E o cristianismo ainda calhou de cimentar ainda mais essa visão de mundo ao decretar que e pecado estava na carne. Durante a idade média esse pensamento gerou muitas atrocidades. Com o renascimento a humanidade teve sua chance de ouro para resgatar a glória dos velhos tempos, no entanto a nascente burguesia, na hora de resgatar o período classico grego, focou-se na filosofia socrética e Dioniso continuou escanteado.

Com a ascenção da burguesia e o surgimento do conceito de alta cultura, Apolo passou definitivamente a dar as cartas no mundo da arte. Mas o povão, esta imensa massa de seres rudes e incultos, manteve em suas festas e carnavais a chama dionisíaca acesa. E aqui é chegado o momento de apertarmos o botão Go Future de nossa hipotética máquina do tempo e trazermos nosso polêmico filosofo alemão, das frias salas de aula da Basiléia para as quentes periferias de Belem.

- Olá Fritz?
- Opa!
- Cara, esse teu bigode hoje em dia está meio demodê, mas vou te levar numa balada que talvez você ache interessante.
- Balada? Você está maluco? Fui eu cunhei a famosa expressão "Deus está morto", você está me convidando para ouvir o sino de uma igreja badalar?
- Não cara, trata-se de uma festa popular.
- Festa popular? Só de for agora.

Embarcamos nosso livre pensador em um confortável pô pô pô e o conduzimos até uma apresentação da aparelhagem Super Pop na Ilha do Mosqueiro. Ao nos aproximarmos ele já começa a demonstrar sinais de excitação ao notar as luzes coloridas e aquelas retumbantes batidas. Ao chegarmos no local seus olhos brilham, seus braços se agitam e tomado por um frenesi incontrolável começa a exclamar aos berros, mal acostumado coitado com tamanha potência sonora.

- Pelas basrbas de Netuno! O que é isso meu jovem? O que é esta música?! O que é esta dança?!
- É tecnomelody véinho!
- Rapaz como o povo evuiu! Nada daqueles carnavais italianos com gente suja e fedendo a mijo e esterco, sinto-me inebriado com o perfume dessas belas moçoilas! Se me permitido fosse trazer Lou Salomé a uma festa como essa, eu não teria levado aquele inexorável pé na bunda. Onde está a estátua de Dionísio?
- Bom, observe aquela cabine lá no centro, onde estão aqueles dois caras.
- Hummm, quem são?
- Elisson e Juninho.
- Entendi, Aguia de Fogo é o simbolismo de Dionisio e pode me levar de volta pra Basiléia, voltarei embriagado do mais puro sentimento de esperança, agora sei que um futuro promissor espera pelos pobres seres do século XIX.


Lou Salomé, antes de dar um pé na bunda de Fritz, ainda colocou Bigode e seu Urso em seus devidos lugares na hierarquia dos amores


Esta alegoria pode soar como piada para muitos incautos. Talvez seja, mas o preconceito que nossas elites culturais paraenses alimentam contra o tecnomelody, será que não um pouquinho a ver com o desprezo pelo corpo e pela sensualidade que o excesso apolínio impôs a sua cultura? Será que as manifestações culturais populares, que mais do que em qualquer outro país do mundo, estão arrombando as portas da cultura de massas, não farão do Brasil o palco de uma nova renascença? Será? Hein? Que tal?

2 comentários:

Viajei no texto. Muito bom!
Mas eu fiquei com vontade de discutir esse termo: "Burguesia".

O que era a Burguesia senão a "classe C" do século XVIII?

Burgueses eram os periféricos, comunidades de feirantes, comerciantes e pequenos empreendedores que viviam na ilharga dos castelos (Burgos).

A classe C atual faz revolução por computador mas continua querendo ser apolínea. (Vide o Funk das pernas grossas e do silicone e o Hip Hop do Cris Brown e seus carrões)

As aparelhagens de maior sucesso agora tem acesso aos Castelos de Caras da Vida.(Não digo que estão erradas)

Dionísio existe? Existe. Ainda está nos vinhos ruins oferecido às vadias. Mas ele não ri mais de si como antes. Tá meio recalcado, querendo fazer lipoaspiração e virando caricatura nas pinceladas do poder.

Resumindo: Todo mundo quer ser Apolo.

abs

@caboquisse

O preconceito da elite paraense contra o tecnomelody é risível. Quando alguém como o Diplo fizer pelo estilo o mesmo que ele fez pelo funk carioca, talvez parem de torcer o nariz, afinal, o que gringo gosta é que é bom.

Pior é que o contraponto feito por aí é elogiar artistas decadentes e repetitivos, como Nilson Chaves, Lucinha Bastos, etc.

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