quinta-feira, 23 de abril de 2009

Fantasmão toca Kuduro. Vai encarar?

A experiência e a perspectiva histórica nos ensinaram que da Bahia pode se esperar tudo. No entanto Fantasmão, a grande revelação do carnaval baiano deste ano pôs minha credulidade em cheque. Misturando poesia rápida, toques de hip-hop, uma guitarra pesada de hard rock ao já bem conhecido pagode, Fantasmão se tornou uma banda ímpar no cenário pop nacional.

O público consagrou Kuduro como o grande hit do carnaval de Salvador em 2009. Faixa de trabalho do último disco de estúdio da da banda, o vídeo do Kuduro no Youtube já tem mais de um milhão de views. Mas que diabos é kuduro afinal de contas?

Kuduro surgiu inicialmente como uma dança em Angola quando Tony Amado começou a discotecar no início dos anos 90, influenciado pelos DJs de Ragga que conheceu nos Estados Unidos. Gradualmente, foi vazando do continente africano e fatalmente chegou ao recôncavo baiano, através do DJ Dog Murras, e influenciou bandas como Psirico e o nosso Fantasmão.



Criado em julho de 2006 por Eddye, ex vocalista da banda Parangolé, o grupo logo começou a se destacar com sua inusitada proposta musical aliada a letras com uma forte crítica social. O ritmo foi batizado por seus criadores como Groove Arrastado e é melhor descrito pelo próprio Eddye: "O groove arrastado é um ritmo que resulta das sonoridades do samba, reggae, rock e hip-hop. É um movimento novo na Bahia, mas graças a Deus temos conseguido difundi-lo e já vemos outras bandas cantando nossas músicas! Isso é muito bom. Quanto à diferença em relação ao pagode tradicional, o Fantasmão não usa cavaquinho, que é um instrumento típico do pagode. Ao mesmo tempo que não usamos cavaquinho, a gente tem como componente fixo da banda um DJ que nos acompanha em todos os shows e dá uma batida mais eletrônica nas músicas!"

O fator diferencial e o mérito do Fantasmão não se restringe apenas à música. Ao contrário da maioria das letras das músicas de swingueira, que é como eles chamam o pagode por lá, as letras de Eddye não falam de "rachada na calçada" e assemelhados, mas do dia-a-dia e dos problemas de quem vive no gueto. As dançarinas, ao invés de roupas minúsculas, usam vestidos brancos, longos e folgados, cobrindo até o tornozelo.

Com toda essa quebra de paradigma, o show teria tudo pra ser chato, mas não. Trata-se de uma festa anárquica e extremamente extasiante. Quem quiser ver o Fantasmão com seus próprios olhos (como todo cético quando o assunto é fantasma) pode ir atrás do DVD "Confraria do Fantasmão", lançado em 2008 e disponível no site da banda.

Fantasmão é, inclusive, um autêntico fenômeno na internet brasileira. Muito mais do que aquela falcatrua chamada Mallu Magalhães. Enquanto a peguete de Marcelo Camelo foi impulsionada pelo hype indie rock, Fantasmão foi concebido pela emergente multidão de internautas lan houseiros. A comunidade da banda conta com mais de quarenta mil membros e não é a única, existem mais de 800. E eles nem Myspace tem. É mole ou quer mais?

A banda não é um caso de sucesso pontual, mas faz parte de uma cena mais ampla que renova, mais uma vez, a tradição do samba de roda, a exemplo do que já fez É O Tchan, Terra Samba e outros. Dentre os destaques dessa nova cena temos PretuBom, Psirico e Parangolé. Muito já se disse que a Africa vingou a escravidão através da música. Com a influência dos ritmos de Luanda e Angola no - segundo Caetano Veloso - transpagode soteropolitano, verifica-se que essa vingança é perene e constante.

Recentemente o vocalista do Fantasmão causou um susto (ops!) ao parar de fazer shows devido a fortes dores nas costas. Após semanas de apreensão, os fãs tiveram um alívio ao saber que no laudo médico constava apenas uma hérnia de disco, tratável através de fisioterapia e de uma cinta para corrigir a postura. Desta forma, a banda pôde retornar à ativa na última sexta-feira com um show na micareta de Feira de Santana.

Esse mês eles finalizam o clip da música Kuduro, gravado em diversos pontos de Salvador e com a participação da modelo Viviane Araújo. O terceiro disco em estúdio também está no prelo com o título provisório de Rap Groovado, sugestão dos fãs internautas. Meu oráculo disse que se esses caras caírem na mão de um Rick Bonadio da vida, é bem capaz de bombarem nacionalmente. Se bem que, como o próprio Eddye canta, o bicho vai pegar, não precisa empurrão.

PS.: Deixo aqui meus agradecimentos ao pessoal do www.sambando.com por terem me apresentado a banda e pro www.pagodeaki.com, por ter entrevistado o Eddy duas vezes.


originalmente publicado no site Bis

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