quinta-feira, 23 de abril de 2009

Mas Bah Tchê! Isso não é coisa de gaúcho!

A notícia é antiga, no entanto pouco se comenta fora do Rio Grande do Sul. Desde 2006, os grupos da chamada Tchê Music não podem mais usar a pilcha (bota, bombacha, guaiaca) por serem considerados traidores da tradição gaúcha. Seu crime? Modernizar a música gaúcha com a inclusão de novos instrumentos e novas referências sonoras. Que os CTGs cultivem a tradição e evitem que essas bandas toquem em suas dependências é compreensível, mas estender a proibição ao vestuário beira o absurdo.

Não que esses grupos façam ou fizessem questão da pilcha. Uma das críticas que os tradicionalistas mais faziam a eles era inclusive seu "desleixo" quanto a forma como se vestiam em suas apresentações. Boinas, bombachas apertadas, bandanas e até calças jeans e chapéu de cowboy foi demais para aqueles gaúchos de bombacha e cuia de chimarrão na mão.

A Tchê Music começou a ser lapidada nos primórdios dos anos 90 com o grupo Tchê Barbaridade, logo seguido por Tchê Garotos, Tchê Guri, Garotos de Ouro e outros. Eles colocaram percussão, guitarra elétrica e até mesmo DJ em seu instrumental. Na parte da mescla de ritmos, incorporaram forró, axé, sertanejo e rock. O resultado foi um som novo, vigoroso e empolgante e o consequente retorno do público jovem aos bailões.


Os Garotos de Ouro em ação, sem pilcha nem bombacha

No novo disco ao vivo dos Tchê Garotos, para nos atermos a um exemplo ilustrativo, na música "Eu Vou Te Amar" um desavisado poderia pensar que Batista Lima, vocalista da banda Limão com Mel, se mudou de mala e cuia de Salgueiro, sertão de Pernambuco, para Bagé, no coração dos pampas.

No entanto, tamanho sacrilégio não pode ser tolerado por muito tempo pelos arautos da tradição campeira. Em 2006 o MTG (Movimento Tradicionalista Gaúcho) se reuniu no Paraná (não tinham um lugar no Rio Grande do Sul para fazerem isso?) e decidiu endurecer as restrições aos grupos de Tchê Music. Como retaliação aos hereges, ficou decidido que eles a partir de então estariam expressamente proibidos de tocarem nos CTGs. Assim, da noite pro dia, mais de 3.000 pontos passíveis de se fazer show sumiram do mapa. Os Centros que desrespeitassem a resolução seriam notificados e até mesmo expulsos do MTG.

Tudo com as mais nobres e estúpidas boas intenções: a manutenção da ordem, da moral e dos bons costumes gaudérios.

Acontece que a música, como qualquer outra manifestação cultural, é algo vivo e, como todo ser vivo, cresce, se expande e dialoga com outros seres viventes; não pode ser engessada, estagnada em uma forma
específica e rígida. A música gaúcha, sob o controle dogmático da ala tradicionalista, se encontrava em tal estado de mais do mesmo que a molecada simplesmente não se interessava mais por ela. Se tem alguém que estava
assassinando a cultura gaúcha com excessivas doses de obsolência era justamente esses tradicionalistas, e não o pessoal da Tchê Music.

Interessante notar que esse pessoal defensor da tradição parece ignorar que o vanerão, por exemplo, surgiu de uma mistura de diversos ritmos com a habanera, que floresceu em Havana, Cuba, há mais de 200 anos e foi a primeira música genuinamente afro-latino-americana. Se essas pessoas já apitassem naquela época, é bem provável que não tivéssemos hoje nem o vanerão, nem o Texeirinha.

Aliás, será que esse povo se lembra que o Texeirinha gravava samba canção?


originalmente publicado no site Bis

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