quarta-feira, 6 de maio de 2009

Pirataria legal

Gustavo CDs. Henrique CDs. Rodolfo CDs. Quem escuta os discos ao vivo das bandas do nordeste está habituado a ouvir esses nomes. Trata-se do sujeito que grava o show e que no dia seguinte colocará à venda o CD com a apresentação, de modo que o fã possa continuar se emocionando no conforto de seu lar.

Essa tradição é antiga. Ainda nos anos 90, Chiquinho da Discofran de Viçosa (CE) fazia suas gravações e as lançava em vinil. Com a chegada do CD e o consequente barateamento da gravação e reprodução, a moda pegou. Hoje em dia, praticamente todos os shows são gravados, no que pode ser classificado como institucionalização da pirataria, apesar de muitos não se considerarem pirateiros, mas divulgadores. Tanto que não é preciso pagar nada para a banda, basta um OK do dono da casa de shows e dos artistas.

Enquanto um Biquini Cavadão leva uma carreira inteira para lançar um disco ao vivo repleto de equívocos, os Aviões do Forró têm mais de duzentos "ao vivos" para download em sua comunidade no Orkut, todos relevantes, pois raramente o grupo repete músicas em seus shows. E a qualidade das gravações é surpreendente. Segundo Rodolfo Cezar, de Fortaleza, ela não depende apenas de quem grava. "Digo isso por experiência própria. O som da festa influi muito." Mas na grande maioria dos casos, a relação custo-benefício é satisfatória.



Como esse mercado está em plena ascensão, foi criada a Associação dos Gravadores, que exige um mínimo de dois anos de experiência e comprovação da qualidade das gravações. Gustavo Parente, de Salgueiro, Pernambuco, explica a importância da criação desse orgão. "O esquema foi criado a partir de uma discussão na comunidade 'Rede Forrozão N.1'. Com o gigantesco aumento das pessoas que se dizem gravadoras, os 'fulanos cds' que trabalham com profissionalismo se sentiram prejudicados por essa máfia nascida no Orkut. Sem um pingo de noção de áudio, esses caras se humilham só para ganharem alguns alôs durante o show e se acharem 'os estourados'." De acordo com a Associação, se o gravador for cadastrado, a qualidade é garantida.

Com a chegada do Orkut e a consolidação das redes sociais no Brasil, a distribuição das gravações deu um salto enorme. Os gravadores têm suas próprias comunidades, onde são tratados como autênticas celebridades, com direito a fãs e admiradores. A maioria dos gravadores da nova geração começou a trabalhar com isso em busca de fama, para ouvirem seus nomes nos shows e conquistar o prestígio dos amigos, para depois se profissionalizarem.

Convém frisar que esse hábito ainda está circunscrito ao norte do país. Quando artistas do sul vão se apresentar lá, não costumam permitir as gravações, com o velha e batido argumento da quebra de direitos autorais. Além de não evitar a pirataria, essa atitude burra impede os fãs de desfrutarem de performances únicas, que costumam ser feitas em momentos de especial inspiração.

Além da vantagem óbvia de usar a pirataria como divulgação, as bandas saem ganhando também na questão do teste de repertório. Todo artista sabe que no primeiro disco a escolha das músicas costuma ser mais fácil, porque a banda vem de um intenso período de shows e já sabe de antemão as músicas preferidas do público. A chamada "síndrome do segundo disco", que muitas bandas de rock enfrentam, deriva dessa deficiência do teste ao vivo.

Ao disponibilizarem seus shows em CDs que são vendidos logo após a apresentação, o teste do repertório ao vivo continua vai além do show. E ainda há o efeito multiplicador de que, além da pessoa que adquiriu a cópia, outras pessoas ouvirão as músicas e banda ganha um feedback perfeito. Tão perfeito que ao entrar no estúdio para gravar o próximo disco oficial, já sabe qual o setlist preferido pelos fãs.

No final todo mundo sai ganhando. Artista, vendedor de CD e público. É o tipo da coisa que dá certo quando se tem uma atitude pragmática e respeito mútuo entre produtor e consumidor, pois no final das contas, são pessoas lidando com pessoas. É como Victor, da dupla Victor & Leo, afirmou em entrevista recente: "Não enxergamos fãs, enxergamos pessoas e cada pessoa tem sua história de vida, suas vitórias, seus traumas, suas virtudes. Quando estamos diante de uma multidão, sabemos que cada pessoa ali pagou um ingresso para nos assistir, se deslocou de casa ou do trabalho e veio em busca de emoção. Não há uma multidão, mas milhares de 'cada um'".

PS do Timpin.: Deixo aqui meus efusivos agradecimentos a Flaviane Torres do blog do muido, cuja ajuda foi fundamental para a elaboração desse texto.

Comunidade do Gustavo CDs

Comunidade do Rodolfo CDs

Podem baixar à vontade, que é tudo legal.



originalmente publicado no site Bis

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