Parece que a Amazônia não detém só o potencial de salvar o ecosistema planetário, mas tambem o de salvar a produção musical da falência decretada pelo mp3. Saiu na web recentemente um livro em pdf organizado por Ronaldo Lemos e Oana Castro, dentre outros, chamado "Tecnobrega: O Pará Reinventando o Negócio da Música", que traz a tábua de salvação para os artistas que estão vendo suas carreiras irem para o ralo com a falência da industria fonográfica.
Que esta indústria está falida, ninguém com suas faculdades mentais intactas é capaz de questionar. Os números comprovam, sob qualquer ponto de vista que se analise a questão. Victor & Leo, o maior fenômeno pop da atualidade, não consegue nem de longe chegar na marca de um milhão de discos vendidos. O próprio rei Roberto Carlos, que sempre foi aposta ganha de antemão, não consegue mais atingir a marca.
O que a cena brega de Belém inventou não foi feito com intensões políticas nem ideológicas, mas sim como alternativa de sobrevivência cultural e financeira por parte dos envolvidos. De uma maneira simplificada, podemos dizer que negócio do tecnobrega funciona de acordo com o seguinte ciclo de realimentação, composto por sete etapas:
1) Os artistas gravam seus discos em estúdio - próprio ou de terceiros.
2) As melhores produções são levadas a reprodutores de larga escala ou camelôs.
3) Camelôs vendem os discos a preços compatíveis com a realidade local e os divulgam.
4) DJs tocam esses discos nas festas.
5) Os artistas são contratados para shows.
6) Nos shows, CDs e DVDs são gravados e vendidos.
7) Músicas e bandas fazem sucesso e realimentam o processo.
Esse modelo é extremamente funcional, tanto para os artistas quanto para o público, gerando fonte de renda para muita gente. Um estudo da FGV prova isso com números: cada ambulante vende em média 300 CDs e 200 DVDs por mês. A maior parte das vendas vem dos grandes reprodutores (cerca de 80%). No entanto, 17% das vendas vêm da reprodução própria - o que, baseado no volume total de discos vendidos em Belém e na região metropolitana, é um montante considerável na análise da geração de renda.
No caso específico da cena tecnobrega, pesa também a questão das festas de aparelhagem. Elas reúnem milhares de baladeiros que veneram as aparelhagens como se fossem astros. As gigantestescas paredes de caixas de som produzem um tsunami sonoro que literalmente faz o chão tremer. A cabine dos DJs, chamadas de Altar Sonoro, têm nomes sugestivos como Nave do Som ou Duplo Cyber Comando e são equipadas com a mais alta tecnologia de produção de efeitos sonoros e visuais. Todos a observam como se fossse uma banda tocando no palco.
As aparelhagens mais famosas hoje são a Tupinambá, Rubi, Ciclone e Super Pop. Como as festas costumam durar um fim de semana inteiro, como raves, acabam gerando procura por artistas tecnobregas e favorecem o surgimentos de novos grupos, fazendo com que a cena tenha um crescimento contínuo e, dessa forma, contribuindo de forma decisiva para o novo modelo de produção musical nascido na Amazônia.
Em termos de êxito comercial, a Banda Calypso é o expoente máximo dessa metodologia de trabalho no que podemos chamar de Método Chimbinha de Gerenciamento de Carreiras. A dupla Joelma e Chimbinha inventou uma nova maneira de se virar sem depender de gravadoras comerciais. Eles criaram seu próprio selo e começaram a vender seus discos a preços mais acessíveis - entre R$ 5 e R$10 - em supermercados populares, feiras, festas e locais frequentados por fãs potenciais. A estratégia deu certo e o resultado todos já constataram.
Quando falei que a Banda Calypso era a banda brasileira da década a primeira coluna aqui no BiS, muita gente me chamou de louco suicida, esquecendo-se de que além de serem os grandes divulgadores desse modelo que pode salvar a produção de música no país, Joelma e Chimbinha são os maiores vendedores de discos do Brasil. Outra opinião minha que costuma arrancar gargalhadas de quem é adepto do senso comum é que Victor & Leo deveriam dar um pé na bunda da Sony Music. Além de não precisarem da multinacional, serviriam de exemplo para disseminar essa revolução na produção musical também no sul do país.
Como conclui Hermano Viana no texto da orelha do livro: "Quem quiser pensar o futuro da música não pode ignorar as lições tecnobregas da Amazônia digital."
originalmente publicado no site Bis
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