A música brasileira, por sua rica diversidade e pelo instinto antropofágico do povo que a produz, costuma nos brindar com agradáveis surpresas. A bola da vez é o hit Fugidinha, cantada por Michel Teló, ex-vocalista da banda sul-matogrossense Tradição. Muito mais do que um sucesso nacional, a música é praticamente um dos maiores acontecimentos culturais da história recente.
A idéia a principio apontava para um resultado indigesto: um cantor sertanejo gravar uma balada composta para ser gravada por um grupo de pagode. No entanto, o talento do produtor Dudu Borges - o homem por trás do sucesso de nomes como João Bosco & Vinicius ou Jorge & Mateus e o artesão mór do sertanejo pop - fez toda a diferença. Nada de pagode vanerado ou vanera apagodada, Dudu concebeu o arranjo mantendo a extrutura padrão de ambos os gêneros, com um resultado inédito.
Mas não são os aspectos técnicos que tornam a música Fugidinha tão especial e sim o fato de que ela faz a ponte entre os dois gêneros musicais mais ouvidos pelo povo na atualidade. Basta conferir as listas de execução em rádios de todo o país, de Belém a Porto Alegre. Só que existe uma diferença fundamental entre os dois gêneros: a maneira como são percebidos pela mídia e pela crítica cultural.
O produtor Dudu Borges
A música sertaneja, graças a imensa popularidade obtida pela modernização empreendida pela chamada geração universitária, livrou-se do rótulo pejorativo de breganejo e hoje até já flerta com a MPB, como se pode conferir pelo trabalho recente da dupla Victor & Leo. Inclusive para o disco que está por ser lançado, Victor compôs uma música em parceria com Sergio Reis e Renato Texeira. Mas o ponto principal é que o sertanejo passou a ser consumido por uma juventude que não sente mais vergonha assumir isso.
Com o pagode o mesmo não ocorre. Praticamente não se vê músicas desse gênero em trilha sonora de novela. O pagode ainda é vítima de um preconceito fortíssimo. Tanto é que no verbete sobre samba na Wikipédia encontra-se uma decrição nada imparcial para seu surgimento, no inicio dos anos 90. "A indústria fonográfica, já amplamente orientada para a globalização pop, usurpou o termo pagode, batizando com ele uma forma diferente de fazer samba que guardava poucos elementos com o samba inovador da década anterior, massificando-o de forma enganosa"
Por "pagode inovador da década anterior" entenda-se a geração de Zeca Pagodinho e Jorge Aragão, que estão aí até hoje, fazendo o mesmo som sem um pingo de renovação. Aqui nos deparamos com aquela tecla que já está gasta, de tanto que eu bato. A mentalidade tacanha de uma elite cultural proviciana que despreza a arte popular e que aguarda ansiosamente que esse mesmo deixe de praticá-la, torne-se uma peça de museu para assim apreciá-la em suas estantes de luxo.
O pagodeiro Rodriguinho
Negar a qualidade de produção recente das bandas de pagode é produzir material para um ensaio sobre a cegueira. O disco Ao Vivo na Ilha da Magia é um dos clássicos do cânone do samba e foi o disco mais escutado nos últimos dois anos no Brasil. O recente lançamento do Jeito Moleque, intitulado Cinco Elementos é de uma vanguarda absurda, com arranjos sofisticadíssimos. Já Rodriguinho, em seu novo trabalho, resgata a black music dos anos 70 não ficando nem um pouco atrás dos hoje cultuados discos de Cassiano e Hyldon. Os exemplos são inúmeros e por limitação de espaço vou citar apenas estes.
Nesse ponto volto a ressaltar a importância da "Fugidinha" de Michel Teló, composta por Thiaguinho e Rodriguinho e que será regravada no novo DVD do Exaltasamba. Que ela sirva como holofote que permita lançar um feixe de luz sobre o pagode e que permita um novo olhar, despido de preconceito e muito mais atento. A Musica Popular Brasileira encontra-se a anos em um estado de catatonia criativa em que nada de relevante e empolgante nos chega ao ouvido. Procura-se saídas importando referencias externas como o hip hop e a música eletrônica.
A saída, no entanto pode estar aqui meses, debaixo de nossos narizes. O Victor já está interagindo com Renato Texeira, que tal o Rodriguinho dividir uma roda de samba com Paulinho da Viola?
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