Há de se entender o pagode baiano. Desde os tempos de bunda music do É o Tchan e de muitas descidas na boquinha da garrafa, as coisas mudaram muito. O cantor Xandy não só casou com Carla Peres como, com seu Harmonia do Samba, como acabou por catalizar um salto qualitativo impressionante na modernização do samba de roda do Recôncavo Baiano.
No começo quase ninguém notou. Parecia apenas um desvio do foco de atenção das bundas das dançarinas para a cintura dos cantores. Só que a transferência da batida da viola para a linhas de contrabaixo fizeram a cabeça de uma geração inteira de músicos e não tardou para que surgissem artistas revolucionários. Dois nomes se destacam nessa categoria, Marcio Victor do Psirico e Edcarlos Conceição, o Ed do Parangolé, depois Eddy do Fantasmão e agora Edcity em carreira solo.
Só que a única coisa que aproxima essas duas pessoas é o fato de dividirem a pecha de gênios revolucionários. Marcio Victor com seu samba fortemente percussivo e Edcity com seu groove arrastado. De resto, um abismo separa os dois. E esse abismo reflete muito as contradições sociais da Bahia em geral e de Salvador em particular.
Na esteira da gravação de seu novo DVD, Psirico apareceu no programa da Xuxa, no Hoje em Dia na Record e em mais uma série de veículos de mídia. Já Edcity, após participar do conceituado festival Percpan - Panorama Percussivo Mundial, que visa mapear o que o planeta Terra anda inovando em termos de batucadas, obteve não apenas repercussão nula, como ainda uma nota negativa no jornal A Tarde.
Desde que Edcity deixou o Parangolé para tocar seu projeto conceitual Fantasmão que passou a ser perseguido, ignorado e muitas vezes sabotado pelo mercado do pagode em Salvador. É incompreensível que nenhum jornalista sério de nenhum veículo de imprensa local nunca tenha levantado a questão: porquê Edcity causa tanto medo no status quo pagodeiro. Em quê ele representa uma ameça?
Qualquer um - até mesmo quem não está habituado a escutar Swingueira (é assim que o pagode baiano é chamado por lá) reconhece que se trata de um som muitíssimo superior ao resto dos artistas do gênero. O Psirico também é muito superior, mas porque tudo para um e nada para o outro.
As coisas começam a fazer mais sentido quando analizamos a personalidade de cada um. Os dois vieram do gueto, só que Edcity ainda carrega o gueto dentro de si, tatuado na alma e expressa o gueto com maestria em suas composições. Já Marcio Victor é um deslumbrado. O sucesso despertou nele uma vaidade que talvez estivesse encubada desde os tempos de gueto. E a manipulação de uma vaidade alimentada por exposição midiática requer que se façam concessões.
Marcio Victor é um cara que faz conceções, já Edcity... bom, esse não capitula nunca.
Mas atribuir à vaidade de Marcio Victor todas as causas das contradições seria, além de uma injustiça - afinal o cara é muito boa gente e é dono de um enorme coração, uma análise muito rasa. Existem mais coisas embaixo deste angú.
Há algo de podre no reino de São Salvador. A capital baiana é mundialmente famosa por ser sede do maior carnaval do mundo. A festa movimenta um bilhão de dólares na economia local entre os meses de outubro e março. Acontece que esse rentável mercado só pode ser construido às custas de uma privatização que foi sendo feita aos poucos apartir da profissionalização dos blocos após a consolidação da axé music nos anos 90.
Como de resto em todo mercado que envolve grandes fortunas, não tardou a se formarem cartéis, redes de corrupção e o encrudescimento de interesses puramente comerciais em detrimento da música, da festa e da alegria, que em tese deveriam ser os fatores a nortearem um carnaval. Aqui já podemos vislumbrar o perigo que Edcity representa para esse sistema, assim como a inofensividade do Psirico.
Um mercado que fatura milhões com porcarias do tipo Rebolation, tem medo que Edcity estoure nacionalmente e revele a todos que não é necessário consumir coisa ruim, que existem produtos de qualidade nas prateleiras do carnaval baiano. Uma mentalidade rasteira, certamente, mas quando as possibilidades em jogo envolvem queda no faturamento, melhor não arriscar.
O pior é que está todo mundo envolvido no esquema. Agências de eventos, artistas, veículos de mídia e formadores de opinião. Qualquer um que se levante contra isso e tente desafinar o coro dos contentes é imediatamente censurado, ignorado e imediatamente excluído do circuito de shows e eventos. Numa terra que ainda lembra do horror da era Antonio Carlos Magalhães todos sentem medo.
Quer dizer, nem todos. Edcity está na luta. Enquanto assistimos o talento de Marcio Victor a serviço das forças do mal, quando lança como música de trabalho para o verão 2010 que com um verso que fala "chupeta na boca e na buchecha", Edcity lança o single "Nossa City" onde implora a Deus que proteja a cidade da tragédia do crack.
Uma luz de esperança para esse triste quadro revelado nessa matéria também pode ser vista na nova banda Groove de Saia, inédito exemplo de banda de pagode com vocal feminino. A cantora Aila Menezes é jovem, carismática e combativa. Com sua banda ela luta pela autovalorização da mulher, tão denegrida na imensa maioria das letras de pagode, mas sem deixar de ser alegre e dançante.
Edcity e Aila Menezes, o futuro do pagode baiano como força de expressão dentro da música popular brasileira depende muito do impacto que esses dois causarão no carnaval de 2011. Para eles, nenhuma vela acesa terá sido em vão.
6 comentários:
ESSA SOMBRA DA REDE-GLOBALIZAAÇÃO DO CARNAVAL E DE OUTRAS FESTAS ORIGINALMENTE POPULARES ESTENDE-SE AS MICARETAS, MUITO EM VOGA NO INTERIOR DE SP ENTRE AS UNIVERSIDADES. ACONTECE QUE AS MICARETAS atendem A INTERESSES ECONOMICOS EM PRIMEIRO PLANO, E EM SUA FORMULA SEGREGAM A POPULAÇÃO COM VENDA DE ABADÁS, COM FITAS ISOLANDO OS RICOS DOS POBRES.
Ótimo o post!
Sou brasiliense e desde a minha adolecência curto e tento entender o pagode bahiano. Esse ano de 2010 tive o imenso prazer de ir para SSA curtir e experimentar o carnaval de salvador. É nítido a divisão social entre o bloco em que Edcity toca e bloco do Parangolé. A crítica social, não agrada a imprensa. É melhor anestesiar do que tocar naquela ferida que está presente no gueto. Quanto as performaces Léo Santana, pra mim está anos luz atrás do Eddy. É totalmente perceptível que ele é superficial, só faz aquilo que ensaiam. Eu espero realmente que o pagode pare de ser discriminado. E que as grandes redes, abram as portas para os verdadeiros artistas da bahia.
Bom texto. Concordo em parte... Não acho que o Márcio Victor seja alguém a serviço do mal. Ele só é "ingênuo"... ou apenas um cara sem disposição pra nadar contra corrente. Brasileiro gosta de "música de festa" mesmo... Esse negócio de música de protesto fica mais pro Rap, pra MPB, pro Rock, que tem públicos específicos.
Essa crítica ao Márcio Victor lembrou os tempos em que a esquerda cobrava do Wilson Simonal, uma postura mais séria em vez de cantar suas pilantragens.Esse negócio de engajamento vai da vibe de cada um.
abs
@caboquisse
Falou tudo,tudo mesmo isso é a pura realidade Edcity é um artista inconfundivel que até Caetano cantou sua música Kuduru na época do fantasmão músicas que mostram a realidade da vida com letras que não precisam falar de peito e bunda de mulheres.Edcarlos sou fan dele.
ama a bahia como amo o rio, amo o funk, amo o axé, nasci no rio moro no rio ,acredito nos cantores baianos eles sabem realmente conquistar as pessoas, o axé, o pagode baiano, o arrocha , a pisadinha, e até os novos sucessos do tempero baiano , as misturas de toques e as batidas do momento.não tenho preconceito com a bahia nen com os musicos baianos apesar de aqui no rio o ritmo ser outro,mais a bahia ainda continua sendo uma gravadora desfarçada de estado.e de lançar realmente ritmos irreverentes
na bahia tem cantores de qualidade que merecem muito mais o sucesso que eles .. citado como a lenda viva do reggue edson gomes esse sim é o mais merecedor de elogios.
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