terça-feira, 10 de agosto de 2010

Aviões do Forró e Forró do Muído na Revista Billboard Brasil

A Billboard Brasil, edição de junho, foi histórica. Pela primeira vez uma revista séria de música e de circulação nacional, colocou um artista sertanejo em sua capa: Luan Santana. Pena que não escalaram um profissional da área para fazer a matéria, o que fez com que resultasse extremamente superficial, não analisando a fundo o quanto o fenômeno Luan Santana - e de resto, a nova musica sertaneja inteira - representa para a renovação da música pop brasileira.



Na mesma edição foi publicada uma matéria preparada por alguém mais afim com o tema, o caso de Vladimir Cunha, com uma sensacional análise do atual mercado do forró, dando ênfase aos Aviões do Forró, recentemente contratados pela Som Livre, mas descrevendo também a bagunça que se tornou a questão dos direitos autorais.

Vou postar aqui a transcrição da matéria na íntegra. Vou fazer em duas partes, hoje posto o corpo da matéria e amanhã os apêndiçes, com comentários meus sobre os temas abordados. Polêmicos, vou logo avisando.

Se alguém quiser que eu transcreva a reportagem sobre o Luan Santana, é só dar o toque na caixa de comentários.

Boa leitura!

Upgrade no Bate-coxa

Faz um calor dos infernos em São Paulo na noite desta sexta-feira, em abril, mas no boteco do Pinguinzinho ninguém parece estar muito preocupado com isso. Como tantos outros bares da avenida Cruzeiro do Sul, bairro de Santana, o local é ponto de encontro de office-boys, comerciários, empregadas domésticas, motoboys, peões de obra. O som é alto: muito brega, calypso e forró eletr6onico de Calcinha Preta, Saia Rodada, Limão com Mel, Collo de Menina e Gatinha Manhosa. Pela avenina, o vai e vem de ônibus é intenso e destinos como Vila Nova Galvão, Jardim Fontális, Cachoeirinha, Jova Rural e Vista Alegre denunciam o estrato social dos passageiros. Não chega a ser uma vizinhança miserável, mas ela guarda poucas semelhanças com a São Paulo que aspira um dia a ser a Manhatan dos trópicos. As calçadas são mal cuidadas, o lixo se acumula aqui e ali e quase não se veem patrulhas policiais. Na esquina fica a praça construída onde antes era a penitenciária Carandiru. Do outro lado lado da rua - cercado por barracas de churrasquinho de gato e ambulantes vendendo cerveja, vinho barato e vodka com energético -, o Santana Hall, onde a banda Aviões do Forró faz sua primeira apresentação em São Paulo depois de dois anos longe da cidade.

Apesar do nome pomposo, o Santana Hall é a típica casa de shows da periferia. As paredes são encardidas e o chão de lajota está permanentemente úmido por causa do calor e dos copos com resto de bebidas que o público joga no chão. Nos mezaninos, "camarotes VIP" para quem pode pagar um pouco mais e não quer se espremer com o resto do povo na pista de dança. O backstage é acanhado; os camarins, modestos. Quando alguém liga a máquina de gelo seco, uma nuvem de fumaça torna quase impossível enxergar alguma coisa no corredor que dá acesso ao palco.

Sentado em uma cadeira de plástico, Xand Avião, vocalista da banda, aguarda sem parecer se incomodar. Do Santana Hall, segue hoje para uma apresentação em Guarulhos - a rotina de dois shows por noite que o grupo sempre cumpre quando toca em grandes centros. Nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, os Aviões do Forró são tão populares quanto Ivete Sangalo ou a Banda Calypso. Tocam para platéias que variam entre 10 e 35 mil pessoas e causam comoção por onde passam com seu aparato de palco, ônibus e carretas plotados com o logo e a foto dos cantores do grupo - uma tradição inventada pelas bandas de forró, que competem entre si para ver quem tem a maior infra-extrutura. Sem ônibus (ou carreta) e sem as enormes plotagens com as fotos dos cantores, dificilmente uma banda consegue convencer o público a assistir o seu show. No mundo do forró, o aparato tecnológico é quase tão importante quanto a música. A suposta arte fica em segundo plano. O negócio é show business no sentido mais literal da palavra.

"A questão é quem São Paulo, apesar de tudo, existe preconceito contra o nordestino", respode Xand Avião quando lhe pergunto porque os Aviões não causam tanto barulho no Sudeste. As pessoas podem até ouvir e gostar de forró, mas não assumem isso porque na cabeça deles esse tipo de música está ligado às pessoas mais humildes, ao trabalhador, à doméstica, ao porteiro do prédio. Então elas preferem ignorar o tipo de música que a gente faz. Por isso ele fica restrito à periferia. Mas eu tenho o maior prazer de tocar aqui para essas pessoas. São nordestinos que vieram de longe, que sentem saudades de casa e que matam essa saudade indo a nossos shows. A classe média, a classe alta, eles não vem, tem preconceito."

Faz sentido. Numa cidade onde "baiano" é expressão pejorativa, a desconfiança de que o forró ainda não virou mainstream por questões de preconceito tem sua razão de ser. Se até o brega pop de Belém do Pará conseguiu projeção nacional via Banda Calypso, seguido pelo tecnobrega surrupiado dos paraenses pela Banda Djavu, o que falta para que o forró siga o mesmo caminho?

A resposta pode estar no novo disco dos Aviões do Forró. Depois de oito anos em esquema independente, a banda assinou com uma gravadora. Seu sétimo disco, "Aviões do Forró Volume 7", saiu em maio pela Som Livre. O investimento é alto e prevê apresentações em programas da globo e publicidade maciça. Quem sabe até mesmo música em novela. O objetivo é tirar o grupo do gueto das festas agropecuárias e casas de shows de periferia.

LOGÍSTICA PRÓPRIA

A questão é saber se a gravadora vai conseguir lidar com essa nova configuração de mercado criada pelos grupos populares do chamado Brasil Profundo. Assim como o tecnobrega de Belém, o forró criou seu próprio sistema de produção, distribuição e vendas. No forró, CDs e DVDs não são vendidos, são distribuidos ou dados de brinde na compra de merchandising ou ingressos. Ao planejar uma turnê, a banda mapeia as cidades por onde vai passar. Meses antes das apresentações, um representante do grupo passa por todas elas distribuindo CDs e DVDs. O investimento. O investimento é relativamente baixo. Mil discos custam em média R$500,00 para serem confecionados e rapidamente se multiplicam nas mãos dos camelôs, fàs e pirateiros, até atingir a casa dos milhares. Na semana do show o CD já está tocando na feira, no boteco, na cidade toda... Se der tudo certo, daí para um público de 20 mil pessoas pagando R$15 e R$30 por ingresso é um pulo. Os Aviões do Forró prensam mensalmente 50 mil discos.

Foi dessa forma que Antonio Isaias - um dos sócios dos Aviões do Forró, mais conhecido como Isaias CDs - transformou o grupo numa máquina de fazer dinheiro, estabelecendo uma escala industrial de produção que gerou uma série de outras bandas. Além dos Aviões, somente a A3 entretenimento - empresa que Isaías montou com os empresários Carlos Aristides e André Camurça em 2006 - controla as bandas Forró dos Plays, Forró do Muído, Solterões do Forró e mantém seis casas de shows e duas emissoras de rádio.

Xand Avião admite que sim, houve um choque inicial de interesses da Som Livre e o modelo de negócios adotado pelo grupo. Mas um acordo foi firmado e a banda só poderá manter seu esquema de distribuição gratuita nos seis lançamentos anteriores. O "Volume 7", explica ele, está sendo comercializado de acordo com a estratégia "ortodoxa" das gravadoras.

Difícil entender porque voltar ao convencional se o sistema criado por Isaias rendeu tanto dinheiro e visibilidade para o grupo. "Vale a pena porque a Som Livre é o aval que a gente precisa para crescer ainda mais", responde Xand. "O suporte que a gravadora vai nos dar deve fazer com que a gente saia deste mercado segmentado e alcançe o nível que a Calypso alcançou. Imagino a banda na TV, nos programas de auditório, na trilha das novelas. Quem sabe agora, que os Aviões vão começar a aparecer na Globo, a classe média não passa a gostar da gente?"

Enquanto a classe média não vem, o forró continua do mesmo jeito, nessa de ninguém musical que se formou nos recantos mais distantes do Brasil, onde direitos autorais e patrimoniais são mera abstração. Como não existe um mecanismo regulador, a pirataria pode ao mesmo tempo ser aliada e inimiga. É o que ocorre com a banda Forró do Muído, cuja música "São Amores" - uma versão não autorizada de "Son Amores" da dupla espanhola Andy & Lucas - estourou no norte quando a banda paraense Quero Mais a transformou em tecnobrega. Como sempre acontece nesses casos, passa a ser considerado autor da música o artista que primeiro estoura com ela em determinada região do país. Dependendo da parte do país em que você estiver, "São Amores" pode ser creditada ao Forró do Muído, aos Aviões do Forró, à Banda Djavú ou à Quero Mais.

É um conflito que está longe de se resolver. Até porque boa parte dos discos de forró que circulam longe dos grandes centros é de gravações ao vivo. Como é prática comum o show de uma banda não se limitar apenas às suas composições, quando um disco ao vivo chega aos camelôs, não fica muito claro ao público que músicas são daquele grupo, quais são as versões de sucessos internacionais ou quais são covers de artistas de outros gêneros e regiões do país. Produtores, músicos e empresários alegam desconhecer a procedência desse material, mas o fato é que, além dos CDs distribuídos por empresas como a A3, são as gravações ao vivo que ajudam a banda a massificar seu trabalho nas cidades mais distantes dos grandes centros e a impor como sua, a composição de outro artista.

MAL NECESSÁRIO

Vi o Forró do Muído ao vivo pela primeira vez em um show para 15 mil pessoas, no Parque de Exposições de Imperatriz (MA) em maio de 2009. Naquele momento "São Amores" era, ao mesmo tempo, um dos grandes hits das aparelhagens de tecnobrega de Belém do Pará, nas mãos da Quero Mais, e um sucesso que o Muído carregava em suas apresentações pelo Nordeste. Um período em que, muito antes da Banda Djavú, os paraenses acusavam de transformar em forró os sucessos de tecnobrega e vice-versa. A culpa, como não poderia deixar de ser, era dos misteriosos discos ao vivo, que atribuiam a autoria das músicas a quem estivesse executando no momento da gravação do show.

Por ironia, um dos pontos altos da apresentação do Muído foi durante a música "Ai que vida", cuja autoria muita gente credita ao grupo, mas que na verdade é do compositor Cícero Filho e foi gravada por Lili Araújo e Banda Bali em 2008. "Ai que vida" faz parte da trilha sonora da comédia de mesmo nome, dirigida pelo maranhense Cícero Filho e cultuada no Nordeste depois que caiu nas mãos da pirataria. Impulsionada pelas vendas no camelôs, em uma semana a produção fez, nos cinemas de Teresina, mais dinheiro do que Harry Potter e o Enigma do Principe. Na esteira do sucesso do filme, a música tornou-se febre no Piauí, Tocantins e Maranhão.

Mais tarde, no ônibus da banda, a vocalista Simaria - que desde 2007 divide a sociedade da banda com a irmã Simone, o cantor binha e a A3 Entretenimento - me explicaria que aprender a conviver com a informalidade é a única forma de sobreviver quando se está longe das gravadoras. Ela admite, porém, que o preço a se pagar por essa "ajuda" pode ser amargo demais: a falta de controle de direitos autorais e patrimoniais e a constante confusão na cabeça do público sobre a verdadeira procedência das músicas que consome.

De penetra em um camarim VIP do Santana Hall, observo a turma se espremer na beira do palco enquanto os Aviões do Forró tocam "O mundo gira", seu maior hit, um forró com tema de vingança amorosa cuja letra diz "Pintei o meu cabelo me valorizei / Entrei na academia / Eu malhei, malhei / Dei a volta por cima / E hoje te mostrei meu novo namorado". As mulheres se identificam com a letra e berram o refrão, que funciona como deixa para a vocalista Solange almeida emendar com "Me Adora", de Pitty, aquela do "que você me adora / que me acha foda".

A música termina e Xand Avião reaparece no palco. Pergunta quem é nordestino e quase todo o Santana Hall levanta os braços. Xand então cita nominalmente várias cidades: Fortaleza, Natal, João Pessoa, Sobral, Caruaru... A cada nome, mais gritos da platéia. Nessa noite, no Santana Hall, os Aviões do Forró são a sínteses dos anseios de autoafirmação e identidade do seu público. Agora, com um contrato com a Som Livre, exposição na TV e o sonhado acesso à classe média, é possível que tudo mude. E que encontros como esse, em lugares como o Santana Hall, jamais aconteçam novamente.

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