Segue aqui minha tréplica, no debate com a Advogada Rejane Bastos. Para quem está pegando o bonde andando, tudo começou com um texto publicado na minha coluna jornal O Liberal, do estado do Pará, que pode ser lida clicando aqui. O blog publicou a réplica da advogada, que pode ser lida aqui. Eis então minha tréplica:
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Fiquei feliz quando recebi a resposta da advogada Rejane Bastos, referente às minhas criticas que fiz com relação a uma carta aberta que ela havia divulgado na imprensa. É urgente que se abra uma linha de debate em torno do reconhecimento do Tecnomelody como autêntica manifestação cultural do estado do Pará.
Digo isso porque o ritmo está na eminência de estourar nacionalmente - quiçá globalmente - e continuar marginalizado no seu local de origem acabaria por revelar a todos as contradições de uma sociedade paraense com dificuldades em lidar com sua identidade. Por isso, comento aqui os argumentos da Dra. Rejane, na esperança de que no final deste debate, ambas as partes saiam ganhando.
A resposta começa com a alegação de que criou-se no Brasil um preconceito contra as supostas "elites" (aspas dela). No mesmo parágrafo, afirma que o que eu falei sobre "uma elite que nega seus traços de índio, pinta o cabelo de loiro e sonha em morar em condomínios, passar frio e usar casaco" (aspas minhas) é preconceito de minha parte. Só que no final de seu texto ela afirma que sente orgulho de pertencer à alta sociedade e ter condições de viajar pelo país para sentir frio. Onde está meu preconceito então? Afinal de contas ela assumiu que existe sim uma elite como a que textualmente foi citada por mim.
Mas o cerne da questão é tocado no seguinte trecho de uma frase da Dra.Rejane: "...trabalhadores que chegam exaustos em casa e sequer podem ver uma televisão, porque os Timpins da vida querem impor sua cultura em decibéis criminosos". Essa argumentação toca em dois pontos chaves nessa discussão.
O primeiro é a associação de que o problema de Belém ser uma cidade barulhenta deve-se exclusivamente a um ritmo específico, o Tecnomelody. O que eu quero dizer é que a luta contra a poluição sonora de Belém é uma causa de relevância incontestável e não está em questão. O que está em questão é essa associação direta, assumida reiterada vezes. E não só isso, o tempo todo o juízo de valor está lá, reafirmando que se trata de "letras ruins, melodia enjoativa". É novamente uma elite que se acha na consdição - ou no conhecimento de causa - de definir o que é bom, o que é ruim e o que é correto o povo ouvir.
O segundo ponto é tentar entender o que fez com que Belém se tornasse uma cidade tão barulhenta e o que é humanamente possível para remediar isso. Não se pode dizer simplesmente que o povo é ignorante e que uma boa educação resolveria. Ignorancia e falta de educação existem em todas as capitais, entretanto só Belém ergue a taça do Campeonato Brasileiro da Zoeira.
O hábito de se ouvir música na rua - e alto - surgiu lá nas décadas de 60 e 70 nos bairros pobres. Em parte para mostrar aos vizinhos que ele conseguiu ter um aparelho de som (naquela época um status absurdo), em parte porque em Belém faz muito calor e na periferia da cidade ir para a rua ouvir música nos finais de semana é uma forma de escapar do ambiente sufocante das casas de madeira e alvenaria sem ventilação dos bairros mais pobres.
Some-se a isso o fato de que o morador da periferia é de origem negra e indígena - povos de uma extrema musicalidade - e de que devido à localização geográfica, acabou por ter acesso a diversos ritmos. Desde os anos 50 se contrabandeavam discos de rock dos Estados Unidos e discos de cumbia, soca e merengue do Caribe e das Guianas. Foi o que possibilitou, por exemplo, a criação da guitarrada e da lambada, ritmos nascidos do contato da periferia da cidade com ritmos criados em outros países. Isso acabou por gerar um ambiente em que a música tem um papel muito forte.
Resumindo: existem fortes razões culturais, sociais e geográficas para Belém ser o que é. Diante de tantas contingências, sair por aí decretando leis que impeçam as aparelhagens de tocarem, apreendendo equipamentos de som ou fechando bares apartir de um certo horário, não resolve a questão. Muito pelo contrário. Corre-se o risco de se criar um estado policialesco que, diante do quadro agravante do aumento da criminalidade, pode ser muito perigoso.
São essas reflexões que os senhores deputados devem se fazer na hora de aprovar leis que se refiram ao mercado de consumo do Tecnomelody. Não esse debate acadêmico e vazio que quer tornar o Tecnomelody patrimônio cultural. Isso não faz o menor sentido. Um patrimônio cultural é algo construído com o tempo e o Tecnomelody é muito novo. Seria como se os baianos decretassem que Rebolation é patrimônio cultural do estado da Bahia.
O argumento decisivo contra o tombamento do Tecnomelody - e o termo tombamento aqui adquire até um duplo sentido - é que uma prática dessas visa a proteção de uma cultura contra infiltrações externas que denigram sua pureza. Ora pois, o Tecnomelody é um ritmo em constante inovação e sem nenhum pudor em importar samples de sanfona sertaneja, refrões de Cúbia Villera argentina ou fazer versões de hits americanos.
Para finalizar, volto a agradescer à advogada Rejane Bastos por ter aceitado esse debate. Em tempos de falência da dialética, onde a facilidade de emissão de opiniões muitas vezes vem mais para prejudicar de que para ajudar a resolver questões de suma importância para a sociedade, debater em um ambiente saudável e civilizado, é extremamente construtivo.
7 comentários:
Amigo, não vamos misturar as coisas, a questão é a poluição sonora. Qualquer coisa que faça barulho acima de 120 db por mais de 30 min mexe com a saúde do ouvido e do sistema nervoso. Acho errado tentar crucificar o Tecnobrega por isso, a questão é maior, Belém sofre de inúmeros disturbios sociais, dentre eles esse apartheid social que se manifesta nas linguagens, O tecnobrega nasceu desse/nesse cenario e é nele que faz sentido. Se por um lado a criatividade é extremamente positiva por outro há um lado invasivo do som altíssimo (lembra da guerra psicológica usada na guerra do golfo com os tanques tocando música altíssima?)
Importante ver os dois lados e onde isso pode ser transformado em benefício a todos
Abraço
Olá Pio, obrigado pela sua visita e mais ainda por expressar sua opinião. Minha reclamação é justamente por misturarem as coisas. Toda a vez que alguém vai na mídia reclamar da poluição sonora cita o Tecnomelody como o resposável. Daí eu pergunto, baixa-se um decreto proibindo o ritmo ou mais - imagine uma situação hipotética em que o Tecnomelody simplesmente sumiçe como se nunca tivesse existido. Acabaria a poluição sonora. Muito provavelmente não, surgiria algo no lugar.
Preste atenção, no meu texto, quanto tento entender o porquê da poluição sonora ser um problema maior em Belém do que nas outras capitais. Acho que a discussão deve ser norteada por esses termos.
Outra critica que faço e reafaço tantas vezes forem necessárias é que, toda a vez que o Tecnomelody é citado na mídia por pessoas que se consideram "instruídas", não perdem a oportunidade de emitirem o juízo de valor afirmando que o ritmo é de baixa qualidade. Coisa que afirmo: não é!
Tem gente que não está entendendo: 1, É necessária SIM uma reflexão em torno do problema (que é de SAÚDE pública) 2, Mas é preciso compreender as diversas razões que levam as pessoas a OPTAREM por ouvir som mais alto (sim, por que elas também tem tímpanos); 3, A questão é que o problema NÃO está no tipo de música que é tocada (isso é um FACTÓIDE), 4, o problema do som alto está sendo USADO por parte da sociedade belenense como PRETEXTO para tentar ROTULAR negativamente o autêntico movimento cultural do Tecnomelody, fazendo deste o responsável direto por uma problemática bem mais ampla, (tudo isso dentro de um JOGO DE INTERESSES já explicado por Timpin.
Engraçado a dez anos atras antes de surgir o tecnobrega o que ensurdecia os paraenses era o axe, e ninguem falava nada, é triste ver o preconceito social e cultural tao escrachado nas veias de pessoas como esta advogada que estudou e conhece ou deveria conhecer a questao social e cultural de Belem, sou contra o barulho e afavor do bom senso na hora de escutar uma musica seja qual estilo for,porem fico indignada com tanto preconceito.
Engraçado a dez anos atras antes de surgir o tecnobrega o que ensurdecia os paraenses era o axe, e ninguem falava nada, é triste ver o preconceito social e cultural tao escrachado nas veias de pessoas como esta advogada que estudou e conhece ou deveria conhecer a questao social e cultural de Belem, sou contra o barulho e afavor do bom senso na hora de escutar uma musica seja qual estilo for,porem fico indignada com tanto preconceito.
Olá Timpa,
Mais uma vez você edita texto e interpreta comentários, vamos lá:
a) Ficou bem claro no meu primeiro texto que gerou a celeuma, que como presidente da Associação não emitiria comentário, pois, lutamos contra a nociva poluição sonora de maneira geral. b)Emiti opinião como cidadã e não gosto mesmo do ritmo,acho péssimo, entretanto, enxergar nisso preconceito é viagem, pois eu cito samba, carimbó e mpb como ritmos muito bons e que eu saiba,não são ritmos de elite. Que existe um segmento que pode viajar e gosta de frio é inegável e este segmento é estigmatizado e chamado de elite. Pergunto: Ter condições de viajar e pegar frio é pecado? Ideal seria que todos pudessem, entretanto, misturar essa "luta de classes" com barulho é outra viagem, conheço uma infinidades de pessoas da rotulada classe "c" que abominam o tecnobrega e muitos da classe "a" que adoram, e aí? Como fica o discurso sobre preconceito? d) O motivo pelo qual se associa - também- o tecnobrega com a poluição sonora é porque é o ritmo que se escuta nos carros que varam a madrugada infernizando todo mundo; em Salinas no meio da praia; nas sonoríssimas festas de aparelhagem e na casa do vizinho que só sabe fazer churrasco com som nas alturas.Não se ouve por aí em decibéis insuportáveis musica clássica, mpb, rock, se ouve sim é brega e aquela house torturante.Por derradeiro, digo o seguinte:Como cidadã não gosto do ritmo e continuo com a opinião de que tombar o tecnobrega como cultura paraense é um disparate, o carimbó merece muito mais. Imagina, som ambiente em recepção no palácio do governo: Vou te comer... vou te comer...vou te comer...ou, quem quer a minha piriquita... a minha piriquita... Vamos combinar: Não dá! Como presidente da Associação Amigos do Silêncio minha opinião é que qualquer ruído ou som que incomode ao próximo e a coletividade é nocivo e deve ser combatido, seja ele qual for. O resto é discussão inócua.
Sds
Rejane
o brega, tecnomelody e pobre é tudo uma merda!!Periferia tem cheiro de pobre e de musica alta e ruim!
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