quinta-feira, 24 de março de 2011

Gang do Eletro - Duas Cabeças, uma levada

Texto de Dafne Sapaio, publicado no site Vice

O Pará já é, e qualquer um que acompanhe a música popular brasileira dos últimos tempos sabe disso. O ousado comércio alternativo, a autonomia cultural, a intensa produtividade e a proliferação exponencial de aparelhagens, equipes e DJs — além de uma criatividade enérgica aliada a velocidade da internet — fizeram o Estado entrar no foco de quem faz e consome música no Brasil e no resto do mundo. Esse processo vem acontecendo e se amplificando na última década, mas 2011 poderá ser lembrado como o ano do surgimento do Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band ou do Samba Esquema Novo da música paraense, e da consequente coroação de umas das ramificações mais promissoras (criativa e comercialmente) do tecnobrega: o eletromelody. Mas vamos com calma que tal divisor de águas parauaras se chama Gang do Eletro, bicho de duas cabeças (Maderito e DJ Waldo Squash) que precisa ser apresentado.

“E aí? Só na manha?”. Do outro lado da webcam quem fala é Marcos Maderito, o Alucinado do Brasil, cria do bairro belenense de Cremação. Aos 28 anos, já pode ser considerado um veterano, afinal é sobrinho de uma lenda viva da música paraense, Tonny Brasil, e começou, ainda adolescente, na função de roadie de uma de suas mais famosas aparelhagens, a Açaí Machine [Tonny também é compositor de muitos dos sucessos da Banda Calypso]. Não demorou muito e o tio o promoveu a um dos vocalistas da Banda Bundas, uma espécie de cover do Mamonas Assassinas, e foi nessa época, início dos anos 2000, que surgiu o apelido Maderito. Por quê? Ele era muito magro, simples assim.

Mas a Bundas passou e Maderito ficou, já compondo tecnobregas aos milhares e em parcerias com os DJs Miller, Alex, Betinho Izabelense e Rafael Teletubies. “Não tenho ideia de onde surgiu tanta coisa, tantas letras na minha cabeça. E nunca imaginei ser reconhecido em todo lugar como sou hoje. Sinceramente, não sei. Não sei de onde vem tanta imaginação, tanta coisa na minha vida.” Essa torrente de criatividade tem muitos escoadouros, e até hoje Maderito faz muita música sob encomenda, principalmente para aparelhagens e equipes (que são os fã-clubes das aparelhagens), o que é muito frequente entre compositores e DJs paraenses. Músicas assim já possuem um canal de divulgação próprio, os shows e coletâneas de aparelhagens, e isso já é meio caminho para o intrincado sucesso pelos igarapés do Pará.

“Nós somos ricos em música. Temos artistas bons aqui, e a nossa cultura é forte. Eu considero o Pará como um país, um país cheio de ritmos, entendeu?” E Maderito sabe o que está falando, pois faz e ouve de tudo (que é paraense). Mas o coração tem seus mistérios e o dele já tem dono. “Curto muito Baile da Saudade. Minha onda é Flash Brega. Sou apaixonado por Borba de Paula, Magno, Roberto Villar, Wanderley Andrade, Nelsinho Rodrigues e Tonny Brasil, que é meu tio.” Resumindo: em casa, com sua mulher e sua filha de pouco mais de um ano, Maderito gosta mesmo é de ouvir os clássicos bregas das décadas de 70 e 80, um cancioneiro que deve muito à guitarrada, ao merengue, a cumbia e a uma romântica Jovem Guarda.

Só que o tempo de hoje é outro, e a hiperatividade de Maderito o levou a acelerar as batidas do tecnobrega, criando assim o eletromelody, uma mistura da música de festa paraense com o eletrodance europeu do início da década de 1990 (“as batidas são mais aceleradas porque a galera dá mais valor”, diz, na lata). As primeiras experiências aconteceram com os DJs David Sample e Joe Benassi, e em 2008 veio seu primeiro sucesso, “Galera da Laje”, música que lhe deu o título de Rei do Eletromelody e foi feita originalmente para uma equipe. Quem já viu ao vivo ou no documentário Brega S/A (2009), de Vladimir Cunha e Gustavo Godinho, sabe que “Galera da Laje” é pancadão eletrônico para qualquer pista de dança que se preze eclética e atual.

Quase ao mesmo tempo, um mecânico industrial nascido em Muaná, mas criado em Ananindeua, na Grande Belém, estourou ao produzir um outro eletromelody pioneiro, “Super Pop é Curtição”, composto para a célebre aparelhagem Super Pop. Seu nome é Josivaldo, ou melhor, Waldo Squash. Atualmente morando em Barcarena, o DJ é outra cria exemplar da terra. “Meu pai já era apaixonado por música e tinha uma aparelhagem, como todo mundo aqui tem. Quando era pequeno lembro dele me colocar na beira do toca-discos. Fui crescendo assim, no meio dos sons, conhecendo equipamentos. Acho que já nasci DJ”, disse após tomar o lugar de Maderito na entrevista por Skype.

Mais crescido, Waldo foi trabalhar com áudio em algumas rádios pelo interior do Estado, geralmente como produtor de comerciais e vinhetas, além de ocasionais locuções. “Fui aprendendo a mexer nos programas e comecei a desenvolver minhas idéias. Às vezes ouvia uma música e achava que dava pra fazer outra coisa que ficaria bem melhor”. Entre essas experiências, surgiu “Super Pop é Curtição”, cujo sucesso chegou aos ouvidos de Maderito. Foi então que combinaram de se encontrar para uma carne assada em um restaurante próximo ao terminal de ônibus do São Braz. “No mesmo dia fizemos a base de duas músicas, uma de aparelhagem e outra de equipe”, confessou Waldo sobre aquele 21 de novembro de 2008.

Melhor combinação não podia acontecer. De um lado, o falante Maderito com seu talento para criar rimas freneticamente. Do outro, Waldo Squash e sua permanente curiosidade por sons de todos os cantos da internet. “A gente procura fazer o seguinte: uma mistura do ritmo daqui com o geral que a gente ouve, com um pouco do que os baianos fazem com percussão e um pouco da música pop internacional mesmo. Mas a levada é a mesma [do tecnobrega]. Só é mais eletrônico”, explica o DJ. Pois então, já em 2009 nasceu o primeiro hit da Gang, o “Eletromelody da Indiana”, com referências a novela Caminho das Índias, Osama Bin Laden, Saddam Hussein e o diabo a quatro.

“Tento colocar nas minhas produções também coisas de fora do Pará. Já incluí samba no ‘Tributo a Carmen Miranda’, reggaeton e umas coisas da América do Sul como a cumbia villera [da Argentina]. E tô pensando em fazer umas coisas com pagode.” Waldo concretiza nas bases o que Maderito costuma chamar – e o termo é recorrente em várias letras – de “onda desguiada”. Uma onda diferente, desviada, que parte do Pará e vai engolindo (musicalmente) outras partes do mundo até voltar.

É isso, a Gang do Eletro é uma pororoca de duas cabeças que em um par de anos gerou uma infinidade de trabalhos encomendados e muitas músicas, algumas absurdamente originais como “Panamericano”, “Arrazadora (Sanfona Mix)”, “Friquitona”, “Tecno Cumbia Colombiana” e o tributo a Carmen, tudo devidamente disponível gratuitamente para download em uma conta 4shared. “Gosto de trabalhar com o Waldo porque ele estuda várias coisas, sabe? Coloca uns violinos, ou um cello, ou então um sax. É só o filé. A Gang do Eletro é muito diferente do que fazia antes. Totalmente diferente, e acho que está pronta pra competir com qualquer banda mundial de eletrodance, entendeu?”, é Maderito quem fala, sempre muito sincero.

E como tudo no Pará é muito urgente, pelos menos em termos de música, os dois decidiram voltar ao estúdio para registrar, com mais e melhores equipamentos, o disco de estreia. Em parceria com o GreenLab, um dos braços da produtora audiovisual Greenvision, Maderito e Waldo Squash vão, quase simultaneamente, gravar o álbum (que deve sair ainda neste semestre), preparar o show que farão em São Paulo em abril, idealizar o espetáculo que colocarão na estrada e gravar o clipe de “Galera da Laje” e um DVD. Tudo isso pouco depois do DJ acabar de produzir as bases para o disco de Gaby Amarantos, que participará do clipe e, atualmente, é considerada a embaixatriz da música paraense.

Só que existe mais uma ambição neste projeto: eternizar, sintetizar e divulgar a cultura eletromelody para fora do Estado. “Nada, nada mesmo, é mais a cara da periferia de Belém que o eletromelody. Tu chega lá e já está tudo pronto”, garante Priscilla Brasil, sócia-fundadora da Greenvision, diretora de documentários, clipes e institucionais e, no caso da Gang, produtora executiva. “As pessoas tem uma forma específica de se vestir, de se comportar, de se comunicar (sim, eles usam símbolos pra se comunicar nas festas), de dançar… é um mundo bem maluco”. Um mundo desguiado, tal como Maderito, Waldo Squash e a Gang do Eletro.

1 comentários:

oi timpin, quando puder dá uma olhadinha no meu blog: http://muendoasquintas.blogspot.com/
valeeeu!

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