Prefácio
Fazer uma viagem de reconhecimento musical pelo Norte e Nordeste era um sonho óbvio, para um blogueiro independente como eu. E justamente por ser um blogueiro independente, tratava-se de um sonho virtualmente impossível. Como sou realista e sempre exijo o impossível, nunca desisti dele.
A maré mudou no dia em que conversava sobre o carnaval baiano via MSN com o baixista de uma proeminente banda de lá. A uma certa altura da conversa ele me disse que, se eu conseguisse hospedagem em Salvador, ele me conseguiria as passagens de avião. Beleza, maravilha, mas ainda me faltava bancar os custos da viagem.
O problema foi resolvido quando contei meu plano, também via MSN, para Dan Ventura, cantor da banda de arrocha Bonde do Maluco. O doido se dispôs a me ajudar financeira, sob o pretexto de gostar de meu trabalho. Claro que não acreditei no maluco, até ser supreendido por um extrato bancário. A grana - que não era pouca - estaria na minha conta na segunda-feira. Isso foi numa quinta-feira. Na mesma quinta liguei pro baixista das passagens aéreas e na sexta estava de mala e cuia partindo para a viagem, com R$100,00 no bolso, fruto do vale de adiantamente que havia conseguido com a chefe. Inventei a desculpa de uma vó doente para me ausentar por uns dias e ferro na boneca.
Foi assim na louca que tudo aconteceu. Em menos de dois dias a viagem saiu dos mais delirantes sonhos de minha mente, para a realidade factual. Quando os deuses resolvem te sortear na loteira deles, não tem corno que impeça seu sonho de ser realidade.
Agora senta que lá vem a história.
Parte Um - Perdas e Danos na capital dos Baianos
Introdução
A intenção da primeira etapa da turnê era, uma vez em Salvador, e ciceroneado por pessoas do meio, aprender como funciona a dinâmica do pagode baiano. O resultado não poderia ter sido mais exitoso, mas pelos meios completamente opostos às expectativas anteriores a expedição.
Quando saí de Curitiba estava animadíssimo - lembro que ao me despedir dos colegas de trabalho exclamava eufórico e seachão: vou conhecer todo mundo, chamarei o Eddy (Edcity) de Lacraia, roubarei o boné do Marcio Victor (Psirico), chamarei o Xandy (Harmonia do Samba) de corno, direi a Igor Kanário (A Bronkka) e Chiclete (No Styllo) pessoalmente que eles parecem duas bichonas batendo boca e por aí vai.
Acabou que não conheci nenhum deles e isso - e o que levou a isso - acabou sendo muito mais didático do que se tivesse connhecido esse povo. As coisas que me aconteceram - lições de vida, ora xongas - me ensinaram muito mais do que se tivessem acontecidos as entrevistas, pois nesse caso mui provavelemente eu teria sido enrolado por tudo mundo e apresentaria aos leitores deste Cabaret um relatório fantasioso.
Grosso modo, o funcionamento do pagode baiano é o seguinte: ele não funciona. Que ali existe uma cena riquíssima em sua diversidade e vitalidade, não sou cara de pau de negar. Mas que a desunião, o choque de egos inflados, as maracutaias empresarias e a ausência de assessorias competentes, inviabilizam a ruptura do nixo local de Salvador.
Os números não deixam mentir, as exeções à regra são Psirico e Parangolé. Fora essas duas bandas, quase nenhuma tem uma agenda relevante fora de Salvador. Alguns shows pingados aqui e acolá. São todos santos de casa de poucos milagres.
O que era para ser uma semana de intensos contatos e conversas, resumiu-se às piores 48 horas de que tenho lembrança.
Primeiro Dia
Cheguei em Salvador na sexta-feira a meia noite mal cabendo em mim de tanta euforisa e saí no domingo, praticamente no mesmo horário, mal podendo esperar pelo segundo exato do avião decolar e sumir de lá, sem a mais remota intenção de voltar.
Juro que estou sendo até ameno em descrever, mas fui tratado feito um cagalhão de cachorro em um gramado qualquer. Não sou revanchista e muito menos vingativo. Sou um doce de pessoa, mesmo vendo aquele falso do Chimbinha chorando na televisão. Não vou citar nomes que comprometam reputações que já se comprometem por si próprias.
O primeiro presságio da encrenca em que eu estava me metendo foi logo na chegada. Ao ligar para o celular do músico de uma banda e morador da casa onde eu iria me hospedar, ouvi a seguinte resposta "este número está programado para não recber chamadas". Sobrou para o amigo que estava me esperando no aeroporto - outro músico de uma banda - me levar para a casa de um amigo dele, no improviso.
Foi lá que passei a primeira noite. Não digo que não foi, mas teria sido bem mais divertido se logo na chegada tomasse uma germânica cervejada de comemoração, afinal Salvador é ou não a capital do carnaval de seis meses? Imagine estimado leitor, o susto ao chegar na casa do cara e ver garrafas e mais da garrafas... de água mineral. Água mineral pra caralho, garrafas e mais garrafas delas! Casa onde só mora homem, louças por lavar e diversos recipientes de produtos vazios e nenhuminha de nem nada lata de cerveja. Certamente o segundo presságio, mas o pior cego é aquele...
Mas como disse, não posso dizer que não foi divertido, foram quase quatro horas de muitas histórias do mundo do pagode, alguns videos no youtbe apresentados e alguns ídolos de barro destruídos pelas marteladas das versões alternativas da história. Mesmo assim, na hora do meu amigo músico ir embora e deixar-me na casa do amigo do amigo, pedi para passarmos num posto de gasolina pra mim comprar um lanche, pois não havia comido nada desde a hora do almoço. E o cardápio tinha sido um cachorro-quente de R$2,00.
Comprei outro cachorro quente de R$2,00 e oito latas de cerveja para a goroba descer.
Como já era quase amanhecendo o dia - o sono pesando - e não tem muita graça beber sozinho quando não se está sozinho, engoli o cachorro quente mais três latas de cerveja e fui dormir.
Só que a porra da janela do quarto não tinha veneziana e mal consegui pegar no sono e o sol já estava queimando meu rosto. Dei um giro de 180 graus e meus pés passaram a ser assados. Peguei o travesseiro e fui dormir no chão. Foi um sono assaz inqueito. Dez da manhã e já estava de pé. Doido para sorver uma impossível canecona de café preto.
Nunca vi um fogão mais subutilizado em toda a minha vida. Estava ali somente para superte de garrafas vazias de água mineral. Ao acordar, se não tomar um canecão de café preto, não sou gente, sou pré homo sapiens, nem homo habilis dá pra chamar, pois fico fico num estado de inabilidade para nada, muito menos pensar. E menos ainda falar. E os donos da casa querendo saber quem caralho era afinal de contas Timpin, metralhando uma pergunta atrás da outra.
A única coisa que atinei foi tentar ligar de novo, sem sucesso, para o cara que originalmente iria me hospedar. O mais lógico diante do fracasso dessa segunda tentativa seria ligar para a assessora de imprensa da banda do cara. Ela não atendeu. Mandei duas mensagens explicando minha situação e pedindo encarecidamente que ela localizasse o músico. Pouco tempo depois recebo uma mensagem dela dizendo que não estava em Salvador, mas que assim que chegasse - quando, meu deus? - me ligaria.
Na agonia, entrei na Internet através do computador de meus hospedeiros e avisei o ligadíssimo do dono da comunidade do Orkut da banda do musico incomunicável. Logo depois ele me responde que deu o recado pro cara e que só me restava esperar seu retorno. E eu esperei. Esperei pra caralho, esperei até que esquecer do café e o corpo tratar de acordar por sí só.
Aí lembrei das latas de cervejas sobreviventes da noite anterior. Abri a primeira. Depois a segunda, a terceira e logo logo tinham ido todas pra fita. Foi quando um bar, do outro lado da rua, a uns vinte metros de distância, começou a olhar pra mim. E eu a olhar pra ele. A paquera durou uns cinco minutos e lá estava eu, tentando convencer uma atendente gatinha e proprietária de uma das cochas mais estonteantes de 2011 a me emprestar o casco de uma garrafa de Skoll, eu devolveria depois. Negócio fechado, ela devolveria o troco depois também. Comprei também um pastel de carne, à guiza de almoço.
Sentei no chão do sala tentando escrever um post sobre o começo da viagem, bebericando e comendo o pastel. Desisti de escrever por falta de conteúdo. Tentei ligar de novo, tanto pro músico quanto pra asessora. Nada. Ao devolver o casco, queimei o troco na forma de uma coxinha e pedi outra cerveja para auxiliar a digestão.
A atendente gatinha até que era simpática, ia soltando sorrisos generosamente e acabei pedindo outra cerveja. E assim por diante, até o sol se pôr e meu celular finalmente começar a tocar. Primeiro foi o cara que tinha me buscado no aeroporto e me largado lá. Dizendo que eu tinha que - pelo amor de Deus! - arrumar um lugar pra passar a noite porque o amigo dele queria levar a namorada pra lá - erá sábado, ora pois. Depois foi a assessora da banda finalmente me ligando - mas sem ter voltado pra Salvador - CAGANDO na minha cabeça por ter viajado tendo feito apenas UM tratado de hospedagem.
Taí uma coisa que não costumo levar muito na esportiva é levar um sermão quando estou comendo água. Fiquei puto, entrei na casa, enfiei os computador na mochila e mais algumas tralhas que estavam esparramadas pelo chão e vazei. Saí andando a esmo e trocando as pernas pelas ruas do bairro até começar a entregar as pontas e passar a procuar por um abrigo urgente. Estava positivamente bêbado. Achei uma em construção em estado de abandono, tomada pelas ervas daninhas e elegi meu lar. Tenho uma vaga lembrança de ter me jogado no chão de um quartinho escuro usando a mochila como travesseiro.
Acordei de magrugada deitado em cima de escombros de tijolos, madeiras e entulhos, com as roupas cheias de pega-pegas, amor-de-sogra ou sei lá que cacete de nomes que aquelas paradinhas que grudam tem. Tirei o que deu pra tirar na hora e me deitei no piso da construção.
O diabo é que eu não consigo dormir de costas, como a maioria das criaturas normais. Não sei se é pelo fato de eu ser gaúcho, mas só sei dormir ou de bruços ou de lado. De bruços naquela porra de concreto salpicado era impossível e de lado até que dava, até o momento que as sailências do concreto começavam a perfurar o coro e atingir o osso. Devido a minha peculiar constituição física, coro e osso tenho em abundância.
Lembrei dos mendigos e suas camas de papelão. Pensei em sair atrás de algum, mas meu senso de ridículo e minhas questões de honra me impediram. Sou realmente um cara durão, resisti firme e tentei dormir mesmo assim. Claro que não consegui e como tinha pacotado logo ao anoitecer, acordei de madrugada sem sono e curado da bebedeira. Na casa ao lado, um jovem casal bebia ao som de um discode Zeca Pagodinho que ouviram três vezes, até que enjoram - ou se embebedaram, sei lá - o que sei é depois do CD do Zeca, deixaram a música Liga da Justiça, da banda Leva Nóiz, no repeat até ser esculhambados pelos vizinho e parararem com a putaria.
Foi uma longa espera até o dia amanhecer, sem saber ao certo se ele viria para o meu bem ou o meu mal. Era o fim de meu primeiro dia em Salvador e apesar dos percalços, ainda estava otimista.
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