segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Arrocha - Mais um made in Brasil para o mundo

(O seguinte texto havia sindo publicado no site BiS MTV. Como o conteúdo do site está indisponível, vamos republicar aqui alguns posts que julgamos mais ou menos relevantes)

Enquanto o Funk Carioca ainda precisa que os exportadores percam certos pudores para poder ganhar o mundo e o tecnobrega do Pará ainda precisa de uma boa estatégia de marketing, eis que a Bahia conseguiu sincretizar um novo produto musical, o Arrocha. O ritmo foi concebido em Cadeias, cidade localizada no recôncavo baiano, através de um movimento organizado por artistas como Nara Costa, Márcio Moreno, Silvano Salles e a banda Asas Livres.

O que eles fizeram foi modernizar um som que durante muitos anos animou as serestas do sertão nordestino e das periferias das capitais, o brega romântico. Mas veja bem, quando se fala em seresta muita gente ainda associa o termo àquele velha musica surgida nos primórdios do século XX, originada das cantorias populares chamadas serenatas. A Wikipédia que o diga. Mas não é nada disso que estamos falando aqui.


Nara Costa

O assunto aqui são aquelas festas do semi-árido em que a banda, quando muito, é composta por um tecladista e um cantor ou cantora. No repertório rola desde nos clássicos bregas setentistas, até sucessos recentes e muitas adaptações. De todos os ritmos populares, o brega foi o que mais cresceu comendo pelas beradas da cultura brasileira. Talvez justamente por isso, seja um dos ritmos mais originais deste país. Só que o brega é tão estigmatizado que, para que o leitor compreenda o quanto o Arrocha é sensacional, teremos que fazer um passeio panorâmico, que começa lá nos anos 60, com a Jovem Guarda. Senta que lá vem a história.

Quando Roberto Carlos enveredou-se pelo Soul e depois cimentou sua carreira como cantor romântico, o som da Jovem Guarda transmutou-se em algo novo, através de artistas como Amado Batista, Odair José e Reginaldo Rossi. A nova música, que costumava ferir o bom gosto da elite cultural da época, logo recebeu a alcunha Brega e passou a ser referida como música de empregada. Na época, o sempre antenado Caetano Veloso, fez um dueto histórico com Odair no Festival Phono 73 cantando o clássico absoluto "Eu Vou Tirar Você Deste Lugar" que hoje não pode ficar de fora de nenhuma coletânea que se preze do Rei das Empregadas.

Quem pensa que o pessoal da MPB foi muito censurado pela ditadura militar, muito se engana. Foram os bregueiros sententistas os mais tesourados pelos milicos, pois cantavam em suas músicas as grandes transformações comportamentais que a sociedade vivia na época. Essa história foi contada em detalhes no livro "Eu não sou cachorro não", facilmente encontrado nas livrarias. Só que a censura não conseguiu frear a produção musical.

Nos anos 80, após a abertura política, o brega seguiu firme através de artistas como Adelino Nascimento, Almir Rogério, Lindomar Castilho, dentre outros, só que de uma forma mais tímida, pois com a popularização das rádios FMs, eles foram varridos para o underground das rádios AM. Na década seguinte no entanto, a mesma tecnologia que os relegou a uma espécie de ostracismo, os trouxe de volta à tona. A emergente Revolução Digital que não só barateou a pirataria, como também melhorou a qualidade das reproduções.


O primeiro sucesso em massa da era do CD foi o paraense Roberto Villar, que com seus disco Ator Principal (O Papudinho) estourou em 1996 e trouxe um novo fôlego ao gênero. O guitarrista de sua banda era um jovem de vinte e poucos anos que conquistaria seu lugar ao sol no novo século que se avizinhava: Chimbinha. O sucesso do disco acabou chamando a atenção do sul para o que estava acontecendo no norte e a Grande Mídia foi atrás de Reginaldo Rossi, que tinha passado a década de 80 comendo o pão que o diabo amassou. De repente aquela sua musiquinha cafona ao extremo chamada "Garçom", da noite pro dia virou cool a passou a ser cantada nos quantro cantos do país.

Muita gente queimou muito filme cantando essa música nos churrascos de fim de ano das empresas em 1998. A Sony Music foi a Recife e encontrou um Reginaldo ainda na batalha, tocando nos bares do capital pernambucana acompanhado apenas por um tecladista e com um público fiel. Levaram-no para São Paulo, montaram uma banda completa, com direito a metais e laçaram um Ao Vivo que chegou ao disco de ouro. Se foi o reconhecimento do sul que o levou a tomar esta atitude, é algo que ele nunca falou em público, mas após ter participado da gravação de mais de duzentos discos como músico de estúdio, Chimbinha resolveu investir todas as suas economias em seu velho sonho, uma banda para chamar de sua.


Foi assim que em 2001 ocorreu o 11 de setembro da musica popular brasileira, o Volume 1 da Banda Calypso. A faixa de abertura não poderia ter um título mais sintomático: "Vendaval". O dia em que crítica cultural perder sua pose, este será reconhecido como o grande disco da década. O impacto desta obra prima foi tão grande que inaugurou o calypso como gênero que ecoou até no Recife de Reginaldo Rossi. Todas as bandas de brega passaram a incorporar aquele dedilhado de guitarra em seu som. O maior sucesso do gênero em Recife foi Kelvis Duran, o Marylin Manson do brega.

Tanto os artistas quanto os fãs, souberam fazer uso das mídias digitais e o século XXI foi generoso. O barateamento das cópias fez surgir uma poderosa ferramenta de divulgção, a pirataria, assim como as redes sociais, que potencilizaram ainda mais esse Marketing Esquema Novo, facilitando a troca de informações e os downloads. Com isso, várias ramificações ocorreram, foi o Tecnobrega do Pará, o Calypso, o brega romântico de raiz das sertas do sertão e o tema deste artigo, o Arrocha do recôncavo baiano. Pode levantar, pois aqui termina a história.

A liberdade de criação e as facilidades baianas da existência, quando executadas com maestria, podem transformar qualquer coisa em ouro. Foi isso que o pessoal de Candeias fez quando pegou aquele brega que era tocado apenas com teclado e voz nas serestas, acrescentaram uma batida com nuances de axé e pagode, que induziam uma forma mais sensual de dançar, introduziram um saxofone e presto! Criaram o Arrocha.

A moda se alastrou como um viral, em pouco tempo centenas de artistas passaram a tocar Arrocha, ou a pisadinha como é carinhosamente chamado. O nordeste inteiro foi tomado de assalto. O ambiente anárquico, somado à alegria e a criatividade do povo fez com que surgissem diversos subgêneros dentro do próprio Arrocha. Tem o Arroxé do Trem Bala, o multifacetado som com referência de Vanerão de Nelson Nascimento e até o Arrocha Universitário de Gaudênio Santiago, mais uma criação da A3 Entretenimento de Fortaleza, a empresa que tem em seu cast nada mais nada menos que Aviões do Forró e Forró do Muído.

O melhor é que tudo FREE. Na comunidade Acervo do Arrocha do Orkut, o leitor pode fazer a feira e baixar tudo o que bem lhe convier. Se eu for listar tudo de bom que tem por lá, ficarei até o próximo carnaval redigindo este artigo. Vou apenas citar dois dos mais bombados nomes da atualidade e que o leitor siga seu próprio caminho. O primeiro segue a linha da seresta tradicional, aquela batida tan tararan tantan aliada a letras onde infidelidades conjugais e porres homéricos são frequentes, a dupla pernambucana Edu Luppa & Markinhos Maraial.

Edu e Maraial

Inventores de tiradas que já fazem parte da cultural oral nordestina como "se é pra chorar a gente chora!" ou "Uísque pro povo garçom! Cachaça pra muierada... e guaraná para as crianças," Edu & Maraial são exelentes compositores. É de sua autoria os hits "Acelerou" e "Doce Mel" da Banda Calypso, assim como o carro chefe do novo CD e DVD dos sertanejos Jorge & Mateus, "Vou Fazer Pirraça". Música essa que foi recentemente gravada pela Maysa, a menina prodígio do SBT em sua estréia como cantora, pelo menos em disco.

Não bastasse o talento autoral, é ao vivo que a dupla faz a diferença, com shows animados que já percorreram os estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Bahia e Ceará. No ano passado foram 93 shows. Com suas composições caindo nas graças das duplas sertanejas, muito em breve eles terão condições de estenderem suas turnês também ao sul e desta forma o país inteiro poderá conhecer seu Bolerado, que é como eles classificam seu bolero acelerado.

Tamanha super exposição no cenário musical do nordeste acabou despertando a invejas de certos detratores, que recentemente acusaram Maraial de fazer declarações políticas em shows pelo interior de Pernambuco, pois ele foi vice-prefeito de sua cidade natal. Também correram boatos de que a dupla estaria prestes a se separar. Através de um comunicado ofical, a assessoria desmentiu ambas as noticias. É esperar para ver e torcer muito, pois só quem perderia com final da dupla seria seu imenso e fiel público. Escriba incluso.

O interessante em Edu & Maraial é que, numa primeira audição, pareçe que não se está escutando nada de novo, parece ser aquele mesmo som romântico a la Thayrone Cigano. Mas de repente, o ouvinte é contagiado pela levada pop de seu repertório e não consegue mais parar de ouvir. Principalmente se a referida audição for regada a algum etílico e o cidadão se encontrar com alguma pendência afetiva. O enigma talvez possa ser resolvido se levarmos em conta a qualidade das composições e o fato deles usarem uma banda completa, com direito a sanfona e percussão. Partindo do pressuposto que todo cânone que resultou no Arrocha foi executado apenas com um teclado, isso faz uma diferença lazarenta.

Bonde do Maluco

O outro nome que vou apresentar aqui não inventa outros nomes para definir seu Arrocha, mas é dono de uma criatividade que não parece encontrar limites, são os soteroplitanos do Bonde do Maluco. A banda surgiu da idéia do produtor musical Orlando Barros de juntar Dan Ventura, que já havia emplacado o hit "Piriripompom" no carnaval de 2007, com o paulista Billy X, que vinha da praia do Hip Hop. Somando a isso as referências do pagode do Axé e até mesmo Jazz, o som resultante foi algo totalmente original.

O seu disco de estréia, lançado no final de 2007 está cravejado de jóias. O primeiro sucesso foi "Não Vale Mais Chorar por ele", versão da música "Don't Matter" do rapper Akon que causou tanto que Ivete Sangalo, do alto do seu Trio Elétrico no carnaval de 2008, a cantou no tradicional momento em que se traveste de Piriguete Sangalo e canta algum sucesso alheio. Dan Ventura certa vez afirmou que sua versão é melhor que a original e que o negão americano teria que rebolar muito para chegar em seu nível. E eu concordo com o descarado. É claro que não faltaram imbecis que tomaram a parte pelo todo e devido ao simples fato da música ser uma versão de um hit gringo e descartaram o resto do disco. E que resto!

Destacar algumas músicas é uma tarefa ingrata, mas como tem gente que limpa fossas, vamos lá. Com uma introdução emulando uma voz infantil, "Cadê os Cachaçeiros" fazem a alegria da criançada, que responde um coro no refrão, "tão tudo dormindo, tão lá no cabaré", sem nem se tocarem do deprave da coisa. Meus filhos adoram. Na "Bichinhas do Arrocha" os quatros vocalistas interpretam bichonas numa performance teatral que é de chorar. Já "Malha Arrocha" é capaz de fazer um Bóris Cazoy rebolar tal qual um baiano da gema.

Mas o filé mesmo é a sexta faixa, "Sai da frente, rapaz". Com um solo de saxofone pra lá de suingado na abertura e uma letra minimalista na medida exata, a música teve a honra de ser incluída no repertórios do Aviões do Forró e olhe que eles não tocam nada que não seja sucesso popular, independente o gênero. Os Aviões costumam atuar como um carimbo de autenticação de um versadeiro sucesso. Depois eles ainda incluiram outras musicas do Bonde do Maluco em seu repertório, o que só faz comprovar o êxito dos baianos.

Com apenas dois anos de carreira, eles já estão com quatro discos lançados, sendo que um deles foi gravado ao vivo em Aracaju e posteriormente laçado como DVD oficial. Segundo Dan Ventura os discos venderam feito água e não fosse a pirataria, já estariam na casa dos milhões. Segundo Timpin, não fosse a pirataria eles ainda estariam animando serestas furrebas na periferia de Salvador. Mas não polemizemos, os caras são muito gente fina.

Falei aqui dos dois nomes que mais se destacam na cena do Arrocha, mas tem muito mais gente fazendo a alegria do povo nordestino. Enquanto no extremo sul do país, os puristas gaúchos lamentam a "contaminação" da vanera pelo sertanejo, o axé, o pagode e o forró, o sincretismo musical do norte e nordeste segue avante ao infinito com seus coquetéis musicais que não fazem nada além de criar maravilhas culturais que colorem ainda mais esse Brasilzão véio sem porteira.

Pelo menos em termos musicais, eu tenho a certeza de que este é o país do futuro.





2 comentários:

muito bem timpin. faltou falar da faze atual do arrocha. onde o fenômeno "Pablo. a voz romântica" levou o arrocha ao topo da musica baiana em 2011 e a cada dia que passa, seu sucesso só aumenta.

Verdade, faz 1 matéria sobre Pablo, q botô o arrocha mais em cima ainda desde o ano passado!

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